Deus sabe o esforço e sacrifício que tenho feito, para conseguir uma relação estável com as malfadadas. Vou ganhando simpatia ao cinzento (logo eu, que adoro o vermelho), teço comentários abonatórios a alguns formatos curiosos (estratégia de sedução), tendo inclusive, lhes tirado umas sugestivas fotos, fazendo realçar a sua imponência (auto-moralização).
No entanto, devo reconhecer (com o coração corroído de desgosto, note-se) que elas continuam a tratar-me sem dó nem piedade, mantendo um ambiente de constante querela, não me dando qualquer hipótese de confraternização. Odeiam-me, as ingratas, snif!
Se ainda existissem dúvidas sobre o que acabo de afirmar, o Meeting de Orientação de Gouveia, dissipou-as de forma inquestionável, ao apresentar-nos um mapa em tons de negro “pedrulhe”, significado de miríades de pedras e uma amálgama imensa de afloramentos rochosos. Só com uma simples narração, será difícil passar a mensagem. Mas se eu vos confidenciar, que os meus pesadelos sobre Muas e Coelheira passaram à história, com certeza já entenderão melhor.
Perante uma Arena excelentemente situada, num socalco de uma encosta de Arcozelo da Serra, solarenga e de paredes-meias com uma bucólica ribeira, não nos passava pela ideia, a paisagem agreste que nos aguardava e a sua consequente dureza (ou passava?).
Enquanto nos dirigíamos para as partidas, distantes uns 800 metros, percorrendo um trilho íngreme, donde se começava a abranger o domínio das “pedrolas” em todo o seu esplendor, fomos tendo consciência de que algo muito exigente nos estava destinado.
No local das saídas, confrontamo-nos com a novidade de dois triângulos, alcandorados na magestosa penedia sobranceira, ambos de difícil acesso (viesse o Diabo e escolhesse), dado que nos obrigavam a trepar sobre um complicado solo rochoso. Uma boa maneira de nos elevar o ritmo cardíaco e testar os “bicos” dos sapatos logo a abrir, aproveitando igualmente para nos dar uma pequena amostra das características do terreno. Ao oferecer-nos tal cartão-de-visita, a Organização demonstrou uma bondosa honestidade e não escondeu o jogo. Pensando bem, porque o faria?
Apesar de toda esta ladainha do “desgraçadinho”, estava convencido de que a jornada não seria pêra doce. Afinal sempre iríamos pisar terrenos da Serra da Estrela, deveríamos contar com a marca CPOC (mapas de elevada exigência) e sobretudo não poderíamos oferecer aos ilustres visitantes, produto de baixa qualidade.
Convém lembrar, que marcavam presença no evento algumas dezenas de estrangeiros, sobressaindo a Selecção da Áustria, um punhado de noruegueses onde pontificava o actual campeão do mundo de distância longa, Olav Lundanes e um grupo de internacionais franceses, liderados pelo campioníssimo Thierry Gueorgiou – uma surpreendente parada de estrelas.
Não sei se pelo negrume do mapa ou pelo abafo da subida para o triângulo, entrei na prova um pouco atarantado e desde logo dei início aos meus equívocos geológicos. –“É aquela parecida com um nabo ou será a outra com aspecto de cogumelo?”- Pois bem, durante sete ou oito minutos, identifiquei e cataloguei uma quantidade enorme de pedras, mas a que camuflava o “174” foi mesmo a última. E beneficiei do facto de uma alma caridosa ter acabado de a deixar.
Como consequência deste desnorte inicial, fui alcançado por um parceiro de escalão, detentor de um mestrado em “Ciências Pedrológicas”, que comparado com o meu simples certificado das “Novas Pedrolas Oportunas”, lhe confere um conhecimento muito mais vasto, no que a matéria de “pedrolas” diz respeito. E vai daí, fez tenção de me rebocar. Apenas não compreendi se foi por compaixão ou no intuito de me leccionar uma aula de recuperação, sob o tema “Métodos Expeditos de Quantificação de Pedrolas”, hehe!
Como me encontrava ainda combalido do primeiro confronto, à beira de um esgotamento intelectual, pois só para aquele ponto, tive de equacionar para cima de mil e quinhentas “pedrolas”…e sem resultados práticos, aceitei a benemerência (ou a lição?) durante os quatro pontos seguintes. Se não aprendi coisa nenhuma naquelas progressões, pelo menos tiveram o condão de me irem afeiçoando ao cinzento. Quando ele se foi embora…uops! …perdão…quando eu me recusei a segui-lo, já me sentia perfeitamente identificado com o cenário.
Os detalhes do terreno não proporcionavam, à maioria dos participantes, prestações muito rápidas, o que permitia que se constituíssem os inevitáveis “comboios”, com reflexo negativo no aspecto técnico. Involuntariamente e conforme o andar da carruagem, fui saltando de um para outro, não tendo muitas oportunidades para navegar sozinho. Realidade que me aborreceu de sobremaneira, porque definitivamente orientação não é perseguição. Por vezes dá jeito, mas nem sempre nem nunca.
Dos 23 controlos que me diziam respeito, na sua totalidade associados a “pedrolas”, apenas tive capacidade para me desembaraçar a expensas próprias, numa boa meia dúzia delas. Para levar a bom porto os meus 4.800 metros, passei quase duas horas a contá-las, mas realmente tenho de dar razão àqueles que defendem que “elas são todas diferentes, todas iguais” – uma atroz uniformidade.
À dificuldade de encontrar a pedra certa, aliou-se a manifesta impossibilidade de descortinar num mapa demasiado pesado (não obstante a escala de 7.500), alguns elementos que me podiam ter fornecido preciosa ajuda. – “Onde pára o raio da casa? Os muros desapareceram? Uma curva de nível tão gira e não a distingo. A bela da ruína desintegrou-se? E este trilho? Ah! Descobri-o finalmente, no meio de cento e onze pontos negros”. Até julguei que as lunetas da “Silva” estivessem fora de prazo.
Não posso deixar de fazer uma referência à localização do “188”, que tinha tanto de interessante, como de “secreto”. Cercado de várias “pedrolas” gigantescas, apenas acessível por uma fenda, onde tipos com a minha envergadura, necessitaram de entrar de lado (por acaso tinha comido pouco, senão…), manteve-se escondido à primeira abordagem dos menos precavidos, gerando uma quantidade apreciável de pastagens.
Devo confessar, que as “pedrolas” não têm culpa da totalidade dos meus devaneios de progressão. Terão as costas largas, mas nem tanto. Ao sair do ponto de água, bem colado ao “182” (o décimo sétimo), provavelmente devido ao líquido estar inquinado (hehe!), rumei em direcção a oeste, quando o correcto seria o contrário. Desorientação de básico, que me custou uns quatro minutos, num ponto de borla, que bastava seguir o caminho.
Grr…raio de incompetência! Também é verdade, que em certas pernadas me engalfinhei com vegetação de verdes traiçoeiros, que me fizeram atascar largos momentos, a evitar silvados agressivos, sem contudo cair no âmbito da pastorícia (meros contratempos).
Efectivamente, se há mapas que apenas os verdadeiros orientistas conseguem ultrapassar com eficiência, o da Ponte dos Cavaleiros é um óptimo exemplo (o Gueorgiou chamou-lhe um figo). No que toca a “berdadeiros”, “espécies” e demais ineptos, traduzem-se numa fonte de problemas e não passam de um frustrante passatempo de contagem de “pedrolas”.
Uma curiosidade. Repararam que só utilizei dez vezes o termo “pedrolas”? Ai…onze…