Para mal dos meus pecados, à medida que as pessoas vão identificando o “berdadeiro” orientista, ganham coragem para me abordar e levantar algumas questões sobre os meus despautérios. Realmente, nos últimos tempos tenho sido confrontado com a dúvida persistente que assola a maioria, de que todos estes episódios que venho relatando, não passam de devaneios medianamente engendrados e não de factos perigosamente reais.
Não imaginam a pena que sinto por isso não ser verdade. Estariam perante um criativo contador de “istórias”, putativo candidato a um futuro Nobel, mas infelizmente e volto a repetir, não passam de simples crónicas (ou se preferirem, um “diário” lamuriento) dum tipo loucamente apaixonado pela Orientação (o que retira algum discernimento) e que aproveita estes textos, para desabafar as suas frustrações pela incapacidade em “domesticar” convenientemente os mapas.
Portanto, fiquem os cépticos bem cientes duma coisa – tudo o que escrevo é baseado em vivências – podendo no entanto “retocá-las” a meu bel-prazer, de modo a evitar ferir mentes mais susceptíveis (os temidos orientistas radicais). Por muito que vos custe a acreditar em determinados episódios, não encontro maneira de lhes passar uma esponja, a realidade será sempre irrefutável por mais paradoxal que pareça. Só espero que não considerem um acto pecaminoso, brincar com assuntos sérios. E acima de tudo, não convém esquecer um ínfimo mas precioso detalhe – é o “meu” humor a ridicularizar a “minha” seriedade – ou como diria a sábia filosofia popular, muitas vezes há a necessidade de rir, para não cairmos na tentação de chorar.
- “Se tudo o que contas é verdade, não sei porque ainda cá andas! Eu teria morrido de vergonha!”
Dando continuidade às verdadeiras realidades e apesar de vos poder causar alguma estupefacção, o “berdadeiro” ousa ter outro género de comportamentos de veracidade altamente duvidosa, isto é – também treina…e sob rigorosas indicações dum reputado “mister”!!! (por motivos óbvios pediu o anonimato, hehe) Podem fechar as bocas de espanto. Juro pelo santo padroeiro dos orientistas que é a mais pura (e sofredora) das verdades. O que eu tenho penado, para me manter em plano físico minimamente aceitável.
As cenas pouco credíveis em que me tenho envolvido, teriam resvalado para o campo da tragédia, na eventualidade de não desenrascar umas corriditas. Se actualmente a minha evolução técnica é mais lenta (a fase de burilar pormenores tem-se revelado complicada), no aspecto físico ainda me sobra “pano para mangas”, dado ser insuficiente o “lastro” que perdi, apesar de já ter derrubado quase uma dezena de milhar de gramas. Ora façam lá uma ideia do corpanzil que eu apresentava, quando me iniciei nestas andanças (um peso-pesado com aspecto de “carregador de balizas”).
O enorme óbice que vou tentando ultrapassar, com algum denodo e doses maciças de sofrimento, resulta da minha falta de apetência pela corrida – é ponto assente que não aprecio correr. Todavia, o espírito de sacrifício que o “berdadeiro” herdou do “espécie” é deveras inquebrantável (há dias que me arrasto para o treino com a “musculatura” toda torcida, feita num oito). A corrida pode não me proporcionar um gozo especial, mas faço os impossíveis para pelo menos, aprender a correr. E esse audaz objectivo estou a conseguir alcançá-lo paulatinamente, o que me leva a atingir níveis de satisfação desmedidos (cada segundo que ganho ao cronómetro é um “must”).
Acreditam que treino debaixo de sol inclemente ou de chuva impiedosa, frio de “bater dente” ou sob rajadas da célebre nortada? Duvidam que corra mais de vinte quilómetros por semana? Colocam qualquer reticência, se eu vos confidenciar que participo pontualmente em provas de atletismo? Acham que vos estou a enganar, se disser que não abdico de um treino, para ver o “glorioso” na TV? Serão capazes de se interrogarem, ao terem conhecimento que a minha mulher me acompanha a maioria das vezes, nestas loucas sessões de masoquismo? Meus caros amigos sejam crentes, o “berdadeiro” é uma autêntica caixinha de surpresas.
E o que me motiva a passar por tamanhas privações? A legítima ambição de pretender fazer mais e melhor como orientista, explica tudo? Haverá qualquer possibilidade de eu ter alterado a minha postura perante a corrida e inconscientemente, dado início a uma nova paixão? Não creio que assim seja, mas há quem afirme que o suor derramado durante a actividade corredora, é composto por uma estranha toxina que vicia e dá prazer. A “páginas tantas” até adoro correr e vou ser o último a saber, hehe!
Os extenuantes momentos de exercício físico, que me obrigo a respeitar religiosamente, para além de me queimarem as endiabradas calorias, fruto das asneiras gastronómicas, o que faz elevar a auto-estima quando nos reflectimos ao espelho, também são um potencial auxiliar durante as competições de orientação. Estou cansado de terminar as provas, acompanhado do frustrante sentimento do dever cumprido, em que pouco mais poderia melhorar nas abordagens técnicas, mas onde sou confrontado com a dura realidade de perder sistematicamente uma montanha de minutos para os companheiros, sobretudo nas pernadas cuja tónica assenta na correria desenfreada e atinada.
Se os treinos me ajudam a atenuar o fosso existente para a concorrência, se esse facto me permite dignificar ainda mais a camisola que represento, pois com certeza que vou continuar a sofrer. Mas prestem atenção ao “berdadeiro”, porque no dia que o virem no meio da floresta em plena aceleração, a lamber o suor dos beiços todo guloso, aí sim, duvidem da sua conversa da treta – “Não gostas de correr? Sofres muito? Bah! Lérias!”.