Em todas as anteriores edições do Norte Alentejano O`Meeting, tive o grato privilégio de participar como atleta, que é definitivamente a posição mais cómoda que se pode ter neste evento. Os campos enlameados de Arez, as ribeiras caudalosas da Fadagosa, os sprints pelas vielas de Nisa, Castelo de Vide e Alter do Chão, as “pedrolas” de Póvoa e Meadas e Vale da Silvana, a cavalgada pela coudelaria de Alter ou a radical travessia da Herdade da Lameira, irão permanecer para sempre no top das minhas recordações da modalidade.
Esta época, e como é do conhecimento dos que acompanham estes textos, aconteceram algumas alterações na minha realidade desportiva, que me forçaram a passar para o outro lado da barricada. Pertencendo ao quadro de atletas do GD4C, não teria outra alternativa que não fosse colocar os meus préstimos à disposição e entregar-me de corpo e alma às diversas e inúmeras actividades que compõem uma organização desta dimensão (assim reza o contrato).
Não fiquem preocupados com a quantidade de tarefas que tive de suportar, pois o responsável pela sua distribuição, adoptou-me como “afilhado” e atribuiu-me funções numa área “soft”, que por qualquer motivo supôs que eu estaria como peixe na água e simultaneamente não me expusesse demasiado à intempérie (o que agradeço) e ao insucesso.
Facilmente se perceberá que não seria o tipo indicado para colocar pontos (evitou-se mp`s colectivos), compartilhar receitas culinárias (a fama do “comezainas” seria colocada em causa), transportar grandes quantidades de materiais (a quem interessaria a confusão logística?) ou embrenhar-me no mundo obscuro dos bits e bytes (ainda hoje Eva Jurenikova e Kvaal Osterbo desconheceriam a sua vitória).
A máquina organizativa do clube há muitos anos que está montada, com os excelentes resultados que toda a família orientista tem usufruído e o aparecimento de novos recrutas apenas dá lugar a ligeiros ajustes. O “berdadeiro” e a sua mulher apenas foram mais dois “convidados” a colaborar, no intuito de proporcionar um óptimo evento aos 1.200 participantes, oriundos de 27 países, que marcaram presença no Crato.
Sendo esta a primeira vez que fazíamos parte da organização duma prova de orientação e logo da responsabilidade dos Quatro Caminhos, veio ao de cima um dos motivos porque nos mantivemos tantos anos a competir como individuais - a tristeza que iríamos sentir por não podermos participar nas provas organizadas pelo clube. Durante quatro épocas desfrutamos da qualidade das suas iniciativas e sentimos na pele o gozo que nos foram proporcionando. Chegara a hora de lhes agradecer, mas não vejo que fosse necessário tamanho sacrifício.
Na noite anterior à etapa da Aldeia da Mata, numa altura em que se procediam aos últimos retoques, dei por mim a analisar o percurso do meu escalão e a imaginar as opções mirabolantes que tomaria naquele terreno espectacular, quando me apercebi que não iria…nem poderia estar lá. Ooooh!
Assolou-me uma sensação de desgosto e só não solicitei a suspensão de elemento organizador, pois corria o risco de ser penalizado severamente (dieta rigorosa e solo duro). Nesse momento tive a perfeita consciência que este seria o preço a pagar todos os anos, para merecer a honra de envergar a camisola do glorioso GD4C. Sei que me vou adaptar às novas responsabilidades, mas este ano custou imenso ficar de fora (eu bem que tomei as “gotas”, mas não surtiram qualquer efeito).
Agora dizem vocês para me confortar – “também te safaste de transpor “cento e vinte e quatro cercas” de arames bem afiados, não te atolaste de lama até às virilhas, nem acabastes os percursos todo “rotinho” ou levaste com a carga de água do início da manhã, na Lage do Meio Dia”.
Eu até estaria de acordo se a minha “prova” não tivesse começado uns dias antes pelas seis da matina, não terminasse diariamente para cima das duas da madrugada ou não se prolongasse por mais umas horas após o término das provas, numa altura em que os meus amigos já se encontravam em casa refastelados no sofá.
Acreditem, prefiro efectuar duas distâncias longas seguidas em Muas ou Coelheira, do que ser mero “espectador” do NAOM. E mais a mais, cercas, lama e chuva são algumas das reais vicissitudes da Orientação e o resto é conversa fiada de “florzinhas de estufa”.
O que eu teria pago para me ter rasgado todo nos arames, cobrir-me de lama bem peganhenta ou terminar as provas encharcado até aos ossos, mas irradiando felicidade e contentamento por ter participado em mais um marco histórico da Orientação, pois os NAOM`s serão sempre uma referência no calendário nacional.
Agora vos digo, o trabalho de organizar um evento deste nível é completamente de loucos. Não obstante, o clube dispor de um número razoável de colaboradores (para cima de meia centena), a que se juntaram mais um dinâmico grupo de funcionários da câmara do Crato, que nos apoiou incondicionalmente, as solicitações logísticas são inquantificáveis, que sempre fica um ou outro pormenor por resolver.
Ora, estas falhas que têm de ser colmatadas em contra relógio, de modo a não resultar nenhuma consequência visível, criavam um stress de tal ordem, que quando a jornada findava, sentia-me totalmente moído, como se tivesse efectuado uma carga de quilómetros pelo sobe e desce do montado alentejano (o que infelizmente não tinha acontecido).
Parece que tudo rola sobre esferas e de repente surge um imprevisto que nos provoca sustos de morte. Temos de ser muito resistentes em termos cardíacos (sofro de palpitações desde então). São momentos tão intensos, de forte envolvência e algo perturbadores, que até nos esquecemos de comer e dormir. Aqueles que já viveram (e sobreviveram) esta experiência podem dar o devido valor.
A nossa recompensa só aparece no final, depois de desmontada a “feira” e analisado o modo como as coisas decorreram. Então se constata, que apesar de alguns contratempos que poderiam ter deitado tudo a perder (o temporal que desabou antes da segunda etapa ia causando o caos), se chega à gratificante conclusão que nada abalou o normal desenrolar da competição e aí sim, ficamos convencidos que não cometemos nenhum “mp”.