E agora?

Nem sei por onde começar, tal é a minha preocupação com o assunto. Acabei de tomar uma decisão inabalável, transformada porventura em tarefa ciclópica, que vai originar uma reviravolta na gloriosa carreira da espécie de orientista – para o melhor e para o pior – mas de certeza me vai proporcionar num futuro próximo, experiências diferentes e espero eu, enriquecedoras (estou cansado de limpar as feridas sozinho).

Passadas que foram, quatro espectaculares épocas de frenesim competitivo e intensa aprendizagem (pelos vistos insuficiente), a participar como individual, chegou a hora de assumir maiores responsabilidades e passar a uma nova fase na “evolução da espécie”, subindo sem vacilar mais um degrau. Finalmente, o casal da espécie de orientista resolveu mudar de equipamento (já não havia espaço para mais buracos) e envergar as cores de um dos mais prestigiados clubes do panorama orientista nacional.

Abalamos completamente a usual modorra que caracteriza o defeso da nossa modalidade. Não foram fáceis as negociações (a falta que me fez um empresário); mantive-me sempre irredutível nas minhas pretensões (compromisso até aos escalões 90 ou nada); apresentei as nossas incomensuráveis credenciais (curriculum de fazer inveja a muito “pastor de pedrolas”); reivindiquei que me fartei (quase fiquei afónico de tanta retórica); não cedi um milímetro que fosse (até porque havia uma chusma de clubes interessados nos nossos préstimos), para que o epílogo desta autêntica novela tivesse um final feliz (injustificadamente, os média não deram qualquer destaque ao acontecimento).

Como sou um coração de manteiga, ao aperceber-me da ansiedade latente do nosso interlocutor em nos arrebanhar para as suas fileiras, arremessei-me para o chão e de joelhos implorei que nos concedesse o almejado “asilo” desportivo. Cena dramático-pungente (ao melhor estilo “shakespeariano”) que conseguiu demover o representante do clube, que lavado em lágrimas (de alegria incontida, só pode) nos apresentou de imediato o contrato, que nós, de forma altruísta e claramente desprendida, assinamos de cruz (afinal, sempre era o nosso clube do coração desde pequeninos!).

–“Uff! Estava a ver que não os enganavas! Só mesmo com chantagem emocional!”.

Que vai ser uma enorme honra e orgulho representar esta entidade, não tenho qualquer dúvida (esperemos que o equipamento não pese em excesso). Como também não hesito em afirmar, que o passo que demos será uma mais-valia em termos de abordagem à verdadeira orientação. Direi ainda mais, na próxima época, o clube arriscar-se-á a passar pelas maiores vergonhas desportivas da sua história, quando confrontado com os sucessivos resultados confrangedores do “casal” (há premonições de que não chegaremos ao Natal).

Apesar do receio que nos assola, em não obtermos prestações condizentes com o palmarés do nosso clube (o “nosso” clube, que bonito...conforta dizer isto), tudo iremos fazer para o dignificar e sobretudo, para que eles não se arrependam de tão corajosa (quanto imprudente) atitude, começamos desde já por prescindir dos chorudos honorários acordados, passando para um contrato por objectivos – bom desempenho…duas “minis” fresquinhas; prova para esquecer…vamos comer a casa.

À luz deste acordo de cavalheiros e se analisarmos a “bela istória” recente do casal, facilmente se depreende que o clube não irá sofrer qualquer prejuízo material com a nossa transferência, para além de potenciais danos morais e azias agudas provocados por eventuais “desastres desportivos”. No sentido de minimizar estas situações sempre constrangedoras, já tomamos as devidas providências, de modo a fornecer ao clube umas doses maciças de anti-depressivos e sais de fruto de largo espectro (fazem parte do nosso “kit-ori” há vários anos).

Com toda esta conversa da treta já nem sei ao quem vim. Ah! É verdade, os problemas que me apoquentam perante esta nova realidade. Depois de meditar muito no tema, julgo ter chegado a altura para um período de recolhimento e introspecção. Eu sei que durante muito tempo fui publicitando vexames com alguma regularidade, expondo publicamente (talvez até em demasia) as minhas fragilidades como orientista (“Vexames? Fragilidades? Termos tão chiques para pura incompetência!”). Agora, ao aprestar-me para representar um emblema, o qual eticamente devo respeitar, coloca-se a questão de continuar ou não com estes cansativos e deprimentes lamentos.

Não posso dizer que a saga da espécie de orientista irá terminar, porque estaria a mentir, pois serei sempre um “espécie” (em vias de extinção…mas protegido) e não será com esta idade que irei alterar a minha postura na modalidade. Estou perfeitamente convicto, que com maior ou menor frequência, episódios absurdos (rocambolescos, bizarros, hilariantes ou simplesmente humilhantes a roçar o ridículo) me continuarão a acompanhar, mas será que os devo partilhar continuamente ou guardar algum recato? Uma pergunta pertinente, não acham? Mas para a qual ainda não tenho resposta adequada.

- “Queres uma opinião? Acaba com as lengalengas, que eles estão fartos de te aturar!”

Claro, que ainda vou proceder a uma leitura exaustiva do rigoroso regulamento interno do clube, com o qual devo ter cuidados especiais, para não incorrer em comportamentos prevaricadores (escritos subversivos, por exemplo), que me possam custar uma precoce expulsão (rescisão unilateral de contrato sem qualquer indemnização) ou no mínimo um castigo exemplar (dez treinos seguidos nas “pedrolas” de Muas ou Coelheira).

Independentemente de algum decoro e sobriedade, que se exige a um atleta ligado a uma “ilustre família”, devo equacionar a minha isenção e autonomia, porque tenho a convicção, que daqui para a frente, tudo o que (e como) eu escrever será observado com outros olhos. E aqueles que me conhecem sabem que não tenho “papas na língua”. Daí, eu ser o primeiro a colocar em causa a minha imparcialidade – primeira e única regra: defender os interesses da “família” com unhas e dentes.

Acredito que isto não seja um texto de despedida, nem pouco mais ou menos, mas sim o prelúdio de um momento de reflexão, para tentar digerir convenientemente, a alteração da refulgente cor laranja da “espécie”, para o mediático azul-vermelho do Grupo Desportivo Quatro Caminhos.

- “Agora é que vão ser elas”.
 

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