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Por um triz

Esteve por um triz a minha participação na prova de abertura da nova época. Os montados de Arronches, onde se disputou o seu Meeting Internacional, quase não tinham o privilégio de apreciar o “berdadeiro” orientista em todo o seu esplendor. Este nem será bem o termo, porque ele anda meio murcho, às voltas com um achaque demasiado instável, que lhe vem atazanando o juízo há mais de quatro meses.

Apesar da manifesta falta de saúde, da total ausência aos treinos e ostentando níveis de motivação a roçar o zero, conseguiram arrastar-me para o Alentejo, aliciando-me com tentadoras promessas de migas, porco preto, sericaias e afins. Bom, para não me apelidarem de desmancha-prazeres, deixei-me enganar…mas só um bocadinho. Afinal, sempre iria ter o prazer de “confraternizar” com Gueorgiou, Kratov, Adamski e os demais ases da modalidade, que aproveitavam para marcar presença, num evento pontuável para o ranking mundial.

A exigência organizativa do ADFA, por um triz não me apanhava numa etapa de distância longa com formato de “ultralonga” (9.500 mts). No entanto, eu estava atento e inscrevi-me apenas para o percurso de distância média, que se efectuava no sábado (uns aconchegantes 4.600 metros). O físico e a psique (e sobretudo a coragem) não davam para mais. Domingo, no cenário do Monte Baldio, limitar-me-ia a ser um mero espectador e apoiante incondicional dos meus companheiros de emblema. Isto no pressuposto, de a prova do primeiro dia não me deixar incapacitado (o meu grande receio).

Como os montados alentejanos nunca fizeram mal a ninguém, talvez funcionassem de forma terapêutica e desanuviassem um pouco o meu espírito, que tem andado bastante sombrio. O Monte Alfeirão caracterizava-se pela sua planura, apresentando um terreno limpo, debruado com as incontornáveis cercas, uma decoração de “pedrolas” q.b., onde se localizavam a maioria dos meus vinte e dois pontos. Se não me parecia um remédio perfeito, pelo menos seria uma razoável panaceia.

Para a “medicação” produzir efeito, optei por demorar um pouco mais que os restantes parceiros de competição. Somente trinta a quarenta minutos de mapa não iriam resultar. Para espairecer em pleno, esquecendo as maleitas que me apoquentam, “apontei” para um passeio de cinquenta e um minutos, que por um triz não me proporcionou o último lugar do escalão. Se é certo que não cometi asneiras relevantes (exceptuando o ponto 13), o ritmo de progressão aproximou-se perigosamente do “devagar, devagarinho, parado e catatónico”, dado que nunca dispus de capacidade para aumentar a velocidade, um mísero metro que fosse. Deixei-me vogar ao sabor das minhas sensações e elas estavam definitivamente preguiçosas.

A letargia foi de tal ordem, que nem me apercebia das ultrapassagens dos meus colegas, que por um triz não fui atropelado pelo Zé Fernandes, ao sair vertiginoso do ponto seis (havia partido seis minutos depois). Eu a olhar para o mapa, tal qual uma múmia paralítica, ele a voar sobre a vedação, como um fogoso adolescente. Diferenças de estilo e apenas isso (hehe!).

Os três parceiros que me sucediam nas partidas, rapidamente me ganharam terreno, tendo sido alcançado por todos eles até ao ponto nove. Santos, Norman e Fernandes, não são propriamente atletas lentos, bem pelo contrário, mas também não fiz nada para atenuar tamanha diferença. Apesar de não me atascado de sobremaneira, pouco me despachei a dar à perna.

Já vos tinha falado no ponto 13? Acho que sim, mas apenas aflorei o problema. Por culpa desta baliza “azarenta” e de alta ineficácia pessoal, por um triz não realizei um percurso tecnicamente limpo. Na altura que analisei as informações técnicas na página da prova, “traduzi” que o meu ponto de espectadores era o décimo terceiro. Infelizmente li os pormenores na diagonal e para mal dos meus pecados, a décima quinta baliza é que correspondia a essa localização.

E interrogam-se vocês: -“Mas o que é que isso contribui para a felicidade do orientista?”

Com certeza que para a dos meus amigos nada, mas a mim custou-me mais de cinco minutos a desfazer o equívoco. Controlo o ponto 12, transponho mais uma cerca (adorei o design daqueles escadotes) e zarpo todo lampeiro para a zona da Arena, mandando o mapa às malvas. Durante trezentos metros corri para um local completamente errado e só não passei um vexame público, pois de repente dei uma olhadela ao mapa e por um triz não sofri uma apoplexia. “Treze? Qual treze? O ponto mediático é o quinze, seu imbecil!”

Em desespero, procedo a uma marcha atrás desorganizada, que impediu de me relocalizar de imediato, perdendo ainda mais uns preciosos minutos. Estraguei tudo num ponto de caracacá, que até os cabelos do peito se me eriçaram. Começo a interiorizar, que estas cenas maradas, só acontecem mesmo ao “berdadeiro”, provavelmente fruto de um destino inusitado ou de coincidências paranormais.

Para meu alívio, o que eu mais temia não aconteceu. A prova de sábado não me deixou qualquer sequela. Facto que me suscitou alguma ansiedade, porque me colocou num dilema. E agora? Não estou inscrito na prova longa, que vou fazer? Reportagem fotográfica? Liderar a claque quatro caminhense? Assumir o controlo das mochilas e fatos de treino? Bah! No que me fui meter. Por um triz não entrei em depressão.

Aborrecido com a situação, que eu próprio criara, ainda tentei conseguir um tempo de partida no meu escalão. Constatei que não me poderiam atribuir o minuto zero e estava fora de cogitações sair em último, pois corria o risco de atrasar o almoço da malta. Aquilo era distância para eu demorar perto de duas horas e não seria conveniente pôr o “berdadeiro” sob tanta pressão.

Encontrei uma solução de recurso, que por um triz não me transformou novamente numa “espécie de orientista”. Espero que não trocem da minha decisão, mas o melhor que se pôde arranjar foi um Fácil Longo de 3.600 metros e 18 controlos, pois o Difícil Longo, com mais de 8.000 metros, parecia demasiado quilómetro só para aquecer.

Durante trinta minutos, andei a correr juntamente com os verdadeiros atletas, a fazer de conta que era mais um. Na verdade, maltratei o ego com uma experiência frustrante, sensaborona, com a maioria dos pontos demasiado acessíveis, tendo como único momento gratificante, o beijo que a minha mulher me atirou quando nos cruzámos, algures numa zona aberta.

Realmente, não senti nenhuma saudade dos escalões abertos. Um tipo atinge um determinado patamar (o “berdadeiro”), que depois este género de percursos para “espécies” sabe-lhe a pouco. Perante a facilidade com que batia nos pontos, por um triz não julguei, que me tinha transformado num “expert” da matéria. “Ó miragem enganadora”.

Não estou nada arrependido, por ter cedido a fazer esta viagem. A minha mulher necessitava de companhia (leia-se “chauffeur”), eu precisava de provar que ainda sou capaz de praticar a minha apaixonada actividade, superando os problemas físicos que me têm arreliado. No fundo, estive presente numa bela jornada de Orientação, enriquecida com as vitórias de duas figuras de proa da actualidade – Thierry Gueorgiou e Tove Alexandersson – tendo regressado a casa muito mais oxigenado e patenteando um outro ânimo (os secretos de porco preto estavam um assombro).

Uops! Aguentem mais um desabafo. Tiveram a “perceção”, que por um triz, redigia esta crónica obedecendo ao novo acordo ortográfico? Prometo que ficará para a próxima. Entretanto, vou iniciar um processo de “atualização”.

  

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quarta-feira, 13 de novembro de 2024 – 01:33:49

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