A situação não foi de maneira nenhuma inesperada. Quando consultei a página do I Troféu Cidade de Ovar e me apercebi de que a etapa do primeiro dia, na Praia de Maceda, seria de distância longa (provavelmente demasiado longa), dei por mim a matutar, se a hora prevista para o seu início, pelas 14 horas, não resultaria em aspectos desagradáveis para alguns dos participantes.
Convenhamos que dar partida a mais de trezentos atletas, para cumprir distâncias entre cinco e treze quilómetros, a hora tão tardia, numa época do ano em que o dia solar é extremamente curto e potencialmente nebuloso, acarretava correr sérios riscos, designadamente de parte da prova ser percorrida em regime nocturno…ou quase!
Então quando constatei que iria sair pelas quinze horas e a minha mulher vinte minutos mais tarde, equacionei a hipótese de nos munirmos dum providencial frontal, pois seria mais que certo que a noite nos apanhasse. A eventualidade de tropeçarmos numa lura de coelho, chocar com um sólido tronco de pinheiro ou termos um encontro imediato com algum duende, tem que se lhe diga. Poderia causar danos irreparáveis na mente do “berdadeiro” orientista (a fobia do escuro é arrepiante).
- “Não entendo este género de queixinhas. Ninguém te obrigou a ir lá.” – É bem verdade que a chata da “vozinha” desta vez tem razão. Aproveitando o surto gripal, podia ter apresentado um “legal” atestado médico, que o clube não levaria a mal. Mas a crise de ansiedade gerada pelos trinta e dois dias (contados pelos dedos) sem qualquer contacto com “chips”, prismas e bússolas, é substancialmente mais prejudicial.
Carregando a preocupação de me desenrascar o mais depressa possível dos 8.800 metros e vinte pontos, entrei no mapa completamente acelerado, que ao terceiro controlo, num momento em que o sol timidamente assomava por entre nuvens ameaçadoras, já estava a descortinar mal os pormenores. Não foi por falta de luminosidade que me atrapalhei, o problema apenas aparece na sequência duma esquizoide progressão oblíqua (tanto me desviei dos verdes, que fui bater no trilho errado) – menos cinco minutos de luz disponível.
Este percalço teve o condão de me fazer chegar o “fogo ao rabo”. Se não arrepiasse caminho, o mais provável era que só pudesse picar as últimas balizas, no dia seguinte ao amanhecer. Sob pressão, sobrepôs-se a minha veia de “orientista do crepúsculo”, que não obstante vislumbrar os detalhes meio difusos, com as reentrâncias a assemelharem-se a esporões, cotas com aspecto de colinas, vegetação rasteira transformada em verde intransponível, consegui realizar as restantes pernadas sem mais nenhum desacerto técnico.
O busílis continua a ser a dolorosa falta de pedalada, pois a componente física não esteve ao mesmo nível. Por volta do ponto 13, ao ser ultrapassado por um parceiro de escalão, a cena foi deveras confrangedora, tal a diferença de andamentos – fiquei positivamente pregado à caruma. Nem o tipo é um super-homem, nem eu sou o aleijadinho da esquina, mas que foi um momento deprimente, lá isso…
Mudando o tom do discurso e apesar de ter terminado ao lusco-fusco, na realidade efectuei uma prova bastante equilibrada, que de certeza tem entrada directa no top das melhores performances do “berdadeiro”. Acabei por fazer 10´/km, que para quem conhece as minhas limitações, pode ser elevado ao capítulo das proezas – “coitadinho, contentas-te com tão pouco”.
Moralizado com o exemplar comportamento do dia anterior, julguei ser capaz de repetir a gracinha no sprint da segunda etapa, pelas artérias da localidade vareira. Para me arrefecer o ânimo, fui recebido com chuva miudinha, que normalmente me provoca deficiente aderência ao empedrado, e eu de tombos já tenho a minha conta. O lado positivo desta questão é que mal inicio a prova, estas “frescuras” desaparecem-me do horizonte, focalizo apenas o mapa e percurso, que no final nem sei dizer se choveu ou fez sol – concentração no máximo e o resto é conversa fiada.
Portei-me novamente à altura dum orientista de verdade, pois se na mata tinha conseguido rolar a dez ao quilómetro, aqui havia a obrigação de empreender um andamento mais célere. O facto é que me transcendi, deslizei suavemente pelos 2.700 metros de basalto e alcatrão nuns digníssimos vinte minutos, que me colocaram numa classificação interessante (ainda não é desta que vou ser alvo de reprimenda técnica, hehe).
Mas esta jornada encerrava ainda uma particularidade, porque as atenções encontravam-se centradas na Organização, dado que seria a primeira vez, que os Amigos de Fim de Semana (AFIS) se apresentavam à exigente família orientista. Ora, um clube que organiza grandes competições de atletismo há muitos e bons anos (a célebre Meia Maratona de Ovar), não deixou os seus créditos por mãos alheias e aproveitando uma superior assessoria técnica, por parte do Ori-Estarreja, ofereceram-nos dois simpáticos dias de orientação.
Claro que o pormenor do “relógio” poderia ter ensombrado o evento, mas afinal haverá alguém que tenha o desplante de afirmar, que um crepúsculo outonal bem orientado não constitui uma verdadeira beleza?