As Origens
O boxe tem uma coisa em comum com a vida em sociedade: é anterior ao Homem. O filme de Stanley Kubrick - 2001 Odisseia no Espaço, ilustra o nascimento da humanidade com uma cena na qual um primata agarra um osso comprido e bate com ele numa carcaça. Numa cena seguinte, mostra-se o emprego imediato que este «primeiro homem» fez da sua descoberta. Serviu-lhe para regular, com vantagem para si, um conflito que o oponha a alguns dos seus semelhantes. Sem grande esforço de imaginação, pode-se supor que nas comunidades pré-humanas - dada a falta de qualquer ferramenta - o punho nu desempenharia o papel de arma mais eficaz para resolver os antagonismos dos nossos longínquos antepassados. Estamos, porém, muito longe do boxe, tal como o conhecemos neste Século XX, tratando-se, apenas, de vagas origens que não têm outro interesse, senão o de sublinhar o facto de que o combate com os punhos nus, é absolutamente natural nos homens. Todavia, é preciso realçar que nas sociedades pré-históricas, o pugilato não se apresenta como uma actividade desinteressada - um desporto - mas entra no quadro da luta pela vida (struggle for life).
O boxe, como desporto, fez a sua entrada oficial na literatura, graças a Homero que na Odisseia, relata o naufrágio de Ulisses, cuja jangada foi lançada sobre as costas da terra dos Feócios. Então, o rei Alkinoos organizou festas em honra do herói. O filho do rei Laodamas ganhou o torneio de boxe. Propôs a Ulisses defrontá-lo, dizendo: «- É a tua vez, estrangeiro! Vem mostrar as tuas forças nos jogos em que te treinaste! Deves sabê-lo, muito bem! Há lá maior glória nesta vida do que saber utilizar as pernas e os braços!? Anda... vem experimentar e afastas os desgostos!...»
Ulisses, o sábio, respondeu-lhe assim: «- Mas porquê, Laodamas, essas brincadeiras de convite? Se o meu coração se abandona aos desgostos mais do que se entrega aos jogos, é porque muito penei e sofri! Imitaram-me muito: boxe, corridas a pé, lançamento do disco. Não recuso nada, nem recusarei combater contra um amigo? Seria preciso ser maluco ou possuir um coração de miserável para provocar nos jogos aquele que acolheu um país estrangeiro. Tal facto é o mesmo que amputar-se!»
Pelo que atrás fica dito, o boxe parece ter sido já bem desenvolvido na Grécia, oito séculos a.c. Numa sociedade em que a força e a coragem físicas ganhavam os favores dos deuses, compreende-se que os jovens nobres - Laodamas não era filho de um rei!? -, a ele se dedicassem e, isto explicará o respeito quase religioso que rodeava os pugilistas. Este aspecto manter-se-ia até cerca de 100 anos mais tarde, quando os adversários já não eram, necessariamente, aristocratas e o boxe se tornou numa modalidade olímpica. Naquela época, os pugilistas combatiam inteiramente nus. Só as mãos estavam envoltas no «cesto» - uma espécie de dura luva de tiras de cabedal, ornadas por bolas de chumbo ou de ferro. Isto acontecia, pois o boxe é um desporto ofensivo. De ataque. Não se tratava de esquivar, mas de meter o metal contra a carne. No entanto, devemos notar que o combate, como o sugerem as passagens da Odisseia, atrás citadas, se disputava segundo regras cavalheirescas - parece que só eram autorizados - e que não se deveria combater um boxe contra um amigo ou contra quem os recebia. O «cesto» apresenta-se como uma arma terrivelmente destruidora e, neste aspecto, opõe-se essencialmente à luva actual, cujo objectivo é proteger ao mesmo tempo, o corpo do pugilista que recebe o golpe e a mão daquele que o dá. Nestas condições, pode supôr-se que aquele que atingia primeiro o adversário, o estropiava definitivamente. Levando em conta os hábitos impiedosos da época, concebe-se bem a ideia porque o boxe era especialmente apreciado em Esparta. Mas, o facto de muitas e muitas narrativas relatando proezas de pugilistas, demonstra que era uma actividade muito cultivada em toda a Grécia.
Por isso mesmo a vamos encontrar, muito naturalmente, na antiga Roma, sob a forma de um jogo de circo.
Apesar dos perigos a que ele submetia os seus praticantes, o boxe não provoca, sistematicamente, a morte e, por isso foi, pouco a pouco, declinando, face às exibições bem mais sangrentas do que as lutas de gladiadores davam ao público romano. Com a queda do Império Romano, perdeu-se a traça do boxe, mas, tudo leva a crer que ele continuou a ser praticado, visto que a sua prática foi assinalada no fim do Século IX, no Sul de Inglaterra. No Século XIV, também em Inglaterra, os pugilistas combatiam a punhos nus, o que fazia com que tal tipo de luta se assemelhasse mais ao antigo pancrácio do que ao boxe, com as mãos envoltas nas correias do «cesto» antigo. Em todo o período que vai desde o declínio do Império Romano até ao princípio do Século XVIII, a história do boxe escreve-se em linhas intermitentes, pois poucos documentos a ele se referem. No decurso de todos estes séculos, a técnica parece não ter evoluído nada e os combates, punham frente a frente, homens sem jogo de pernas, sem jogo defensivo, preocupados somente em bater com a maior força possível. Sob este aspecto, o boxe praticado nessa época em Inglaterra, era o herdeiro directo do boxe grego.
A primeira vedeta de que se tem conhecimento foi um tal James Figg, cujas características correspondiam exactamente às necessidades: homem forte, corajoso e brutal. Ele combatia no ano de 1719 e nada o distinguia dos seus antecessores, nem dos seus rivais. Mas, o seu nome conseguiu chegar até nós. Porém, em breve apareceu um tal Jack Broughton, que viria a ser o primeiro a «fazer mexer» o boxe. O seu sucesso - a partir de 1732 e durante 18 anos, voa de vitória em vitória - vem do facto de ter introduzido na prática do boxe vários elementos novos.
Nessa época, os combates eram organizados às escondidas, perseguindo as autoridades os pugilistas, por provocarem ajuntamentos e desordens. Efectuavam-se ao ar livre, num prado, de harmonia com a tradição. Ou, então, nos salões das traseiras de algumas casas.
Davam motivo a apostas e decorriam de harmonia com as regras estabelecidas pelos organizadores, quer dizer, sem qualquer carácter fixo. Tirando todas as vantagens das dimensões sempre variáveis do recinto, no interior do qual nasceram os campeões, Broughton foi o primeiro pugilista a utilizar as deslocações das pernas para se defender dos ataques do adversário. Esta novidade foi um facto digno de registo. Ele introduziu o espaço na técnica. Em consequência, a força bruta deixou de ser o suficiente, pois, passou a ser necessário ter também fôlego, para triunfar, tanto mais que os combates, a maior parte das vezes, eram até ao fim (finish) - salvo a intervenção da polícia ou uma súbita tempestade. Desta iniciativa de Broughton, nasceu posteriormente o jogo de pernas como elemento básico do boxe contemporâneo. Os organizadores tiveram, também, de se debruçar mais seriamente sobre as dimensões do terreno. Foram obrigados a traçar um círculo sobre o solo, ou a implantarem nele umas estacas ligadas por uma corda. A limitação das áreas de combate não datam da época de Broughton, mas foi ele que pôs em relevo, devido ao seu estilo, os inconvenientes resultantes da falta de regras estrictas sobre o assunto. Os «boxeurs» eram desclassificados se ultrapassassem esses limites para escaparem aos golpes do adversário. De passagem, assinalamos que esta regra tem uma certa semelhança com a do sumo asiático.
A observação de Broughton tratou, também, dos golpes lançados. Até à sua época, estes eram desferidos em «volée», ficando o corpo rígido, como acontece nas lutas entre rapazes, nos recreios das escolas. ele verificou que os golpes se tornavam muito mais eficazes sendo acompanhados por uma rotação das espáduas, pois o punho beneficiava do peso do busto.
A nobreza interessou-se por estas descobertas - por causa das apostas - e Broughton fundou uma academia de boxe, onde ensinava os seus métodos. Este foi o nascimento da técnica do pugilismo. Finalmente, Broughton está na origem das London Prize Ring Rules - primeiro regulamento oficial do boxe inglês. As inovações técnicas de Jack Broughton não deram frutos imediatos e os campeões das gerações seguintes assemelhavam-se, estranhamente, aos precedentes. De qualquer forma, Broughton estava muito adiantado para a sua época e se a via por ele aberta não foi seguida de imediato, foi porque as suas descobertas, mesmo tão importantes como parecem, com o recuar do tempo, ficaram na prática pouco publicitadas. Em especial as London Prize Ring Rules, não eram muito severas e o puro poder físico dos pugilistas, continuou a ser o factor essencial da vitória.
O último facto relativo às origens do boxe, é a emigração da Inglaterra para os Estados Unidos da América. No quadro deste novo país, o boxe ganha um grande impulso e a civilização de salão, vai a par com um desenvolvimento rápido dos combates de boxe. Desta maneira, dois países - Inglaterra e Estados Unidos da América - vão manter escolas de boxe que progridem paralelamente. Assim, surgem inevitavelmente, duas consequências:
1º A necessidade de unificar, definitivamente, regras que regulam os combates e, esta necessidade explica a acção do Marquês de Queensbury e de Lord Londsdale, que são os fundadores das regras actualmente em vigor.
2º A organização de combates internacionais e, muito especialmente, de campeonatos mundiais.
Época Heróica
A aristocracia britânica está muito ligada aos princípios da arte pugilística. Desempenhou o papel de protectora dos «boxeurs» e, era de bom-tom, nessa época do fim do Século XIX, que o senhor duque ou o senhor conde tivessem sob a sua protecção, um pupilo que tivessem descoberto. Os amplos parques das ricas propriedades acolheram muitas vezes os pugilistas, de modo que a polícia não pudesse perturbar o desenrolar do combate, o que falsearia as apostas. De facto, a posição do boxe em relação à autoridade, era bastante ambígua. Oficialmente o boxe era proibido, não como uma actividade em si, mas porque perturbava a ordem pública, devido aos ajuntamentos mas, no entanto, beneficiava da protecção das gentes da alta (gentry), que era então a classe dirigente do país. Este apoio foi capital para o desenvolvimento deste desporto. Pode mesmo dizer-se que é inconcebível pensar que sem o apoio dos lordes, os abomináveis combates a punhos nus, dignos das arenas romanas, pudessem, em 15 anos, tornar-se numa verdadeira instituição nacional. A acção destes, não se limita, no entanto, aos apoios aos pugilistas. Fazem garantir, também - com todo o peso dos seus nomes - a lealdade dos combates. Muito naturalmente, a expansão e a seriedade da nova codificação editada como reacção contra as «Rules» em vigor, foram asseguradas por um deles - o Marquês de Queensbury.
Assim, as regras definitivas do boxe adoptadas em Inglaterra em 1891, apadrinhadas por um marquês, foram adoptadas universalmente.
O ano de 1891 marca, portanto, o nascimento oficial do boxe inglês.
As novas regras traziam vários pontos fundamentais e, sobretudo, punham fim ao boxe a punhos nus, por tornar obrigatório o uso de luvas de coiro de 4 onças (As luvas vulgares foram, por vezes, utilizadas na segunda metade do Século XIX. As luvas de 2 onças foram abolidas em 1903). Tais luvas, eram já usadas há mais de um século, nos treinos. A sua introdução nos ginásios, esteve ligada à fundação de academias que eram frequentadas por nobres jovens e por militares. Ao contrário do «cesto» grego, a luva tinha por fim a protecção dos adversários, como aliás, já se referiu. Por um lado, elas mantêm a mão do socador, que agarra o cabedal, bem fechada e isso evita muitos acidentes de origem nos metacarpos. Defende a pele de esfoladuras e, também, a cabeça dos metacarpos. Por outro lado, diminui a tumefacção da carne, após os golpes. No que respeita à violência dos golpes, esta não é, por assim dizer, diminuída pelo tampão que o couro e o enchimento constituem uma luva de tão fraco peso. Outras das inovações contidas nas regras do marquês de Queensbury, é a divisão dos combates em períodos rígidos de três minutos, com um minuto de intervalo, entre eles. Em princípio, o número de assaltos estava limitado a vinte, mas, ainda durante muitos anos, foi comum a duração ser estabelecida por acordo, ignorando-se o princípio estabelecido. É bem evidente que a alternância de três minutos de combate seguida de um de repouso, favorece os pugilistas porque lhes permite manterem um certo ritmo - podem recuperar forças entre dois assaltos - em detrimento dos homens possantes mas mais estáticos. É preciso dizer que nos fins deste Século XIX, a quase totalidade dos pugilistas pertenciam a este último tipo. Enfim, partindo da observação que uma grande diferença de peso constituía uma desvantagem impossível de desfazer para o mais leve, o regulamento previa o estabelecimento de categorias segundo os pesos.
Todas estas diferentes medidas tendem a humanizar um desporto cuja prática incontrolada, é perigosa. Ao mesmo tempo favorecem a táctica, a velocidade de execução, o aperfeiçoamento desportivo e a estética. Sob estes aspectos, a participação do Marquês de Queensbury, foi fundamental e na prática traduziu-se na aparição de uma nova geração de pugilistas.
Tínhamos deixado o boxe no momento em que a emigração para o novo continente tinha criado duas correntes distintas: a americana e a inglesa. Diante do entusiasmo suscitado por este desporto nos E.U.A., foi organizado no Estado do Mississipi um combate para o título de «Campeão dos Campeões», no dia 17 de Fevereiro de 1882.
Combateram John Sullivan de Boston, contra Paddy Ryan de Nova York. Sullivan demorou 9 assaltos para se desfazer de Ryan. Desde então, os americanos passaram a considerá-lo como o campeão do mundo. Este título foi, naturalmente, contestado na Europa, onde Charley Mitchell - um inglês - levava tudo à sua frente.
1. JOHN L. SULLIVAN
Bem dentro das tradições dos pugilistas da era dos punhos nus, Sullivan, devia a sua reputação ao seu «swing», golpe giratório semelhante aquele que se aplica com uma moca. Esta arma permitiu-lhe triunfar contra muitos adversários, por «K.O.». Após a sua vitória sobre Ryan, reinou incontestado, nos Estados Unidos da América. Em breve foi desafiado para enfrentar Mitchell - um puro produto da escola britânica. Este foi um dos últimos grandes combates a punhos nus. Graças à sua vitória em 3 assaltos, Sullivan vê ser-lhe atribuído o título oficial de primeiro campeão mundial. Este título concretiza a superioridade de maneira um pouco selvagem como os pugilistas americanos combatiam sobre os europeus, bastante mais científicos. Era bem a prova de que num boxe mal codificado, a força leva a melhor sobre a técnica. A desforra foi organizada em terreno neutro - em França - e acabou num combate nulo, pois a chuva obrigou a suspender o combate.
No dia 8 de Julho de 1889, pôs o seu título em jogo, frente a um outro rei da luta a punhos, Jack Kilrain. O combate resumiu-se a uma desordem de rua, ganha pelo detentor do título, ao fim de 75 assaltos - 3h39. O desafiante - pupilo de Charley Mitchell - jazia no solo, num estado lastimoso. O resultado deste combate, pela emoção que suscitou, não foi decerto estranho para a entrada em vigor, de imediato, das novas regras preconizadas pelo Marquês de Queesbury. De facto, o combate Sullivan / Kilrain, despertou muito mais atenção, por se tratar do segundo e último campeonato mundial de boxe, disputado a punhos nus. Nasceu, também ali, a primeira anedota do boxe, tal como a contam as obras especializadas. Era público e notório que Sullivan e Mitchell nutriam, um pelo outro, uma clara antipatia. Por isso, Mitchell, durante todo o combate deste contra Kilrain, arreliou-o com constantes «bocas». No fim dos 75 assaltos, pode bem calcular-se a vontade com que Sullivan estava, de dar um castigo ao seu inimigo, embora o seu estado físico não fosse muito brilhante. Todavia, foi muito difícil obrigar Sullivan a sair do ringue, pois ele recusava-se a abandonar o combate, antes de pôr, também «K.O.» o «manager» de Jack Kilrain, tal como o fizera anteriormente. O interesse desta historieta, está em demonstrar o ambiente em que decorriam os combates da época.
Os louros da vitória são concedidos ao mais forte e não, necessariamente, ao melhor. Com a aplicação das regras da «Nobre Arte», a tendência inverte-se. Sullivan, intrinsecamente o mais robusto pugilista do momento, virá a pagar as despesas da mudança.
2. JAMES JIM CORBETT
Oito anos mais novo do que John Sullivan, Corbett, veio encontrar o mundo do boxe em condições bastante diferentes. Não começou a sua vida como operário fabril, mas sim como empregado bancário. É, essencialmente, um produto de uma grande cidade. No seu caso, foi em S. Francisco que teve o seu início. Foi admitido nos clubes frequentados pela aristocracia. A sua figura e a sua simpatia natural, favoreciam-no. Comparando a sua fisionomia com as rugosas faces dos seus adversários, simbolizava o academismo e a educação. Como não possuía grande poder de golpe (em 23 grandes combates apenas conseguiu ganhar 14 por «K.O.»), foi escolhido como candidato frente a John Sullivan, para a disputa do primeiro campeonato mundial de «pesos pesados», disputado com luvas de 4 onças. O combate foi organizado em Setembro de 1892, na cidade de New Orleans, no Estado do Mississipi. Para o público, não havia qualquer possibilidade de engano, pois os participantes no combate, definiam duas personalidades absolutamente distintas. De um lado, o mau - John Sullivan - o poder físico, a força de golpe, a raiva; do outro , o bom - James Jim Corbett - o estilo, o físico, a juventude. Porém, por trás deste maniqueísmo de fachada, é preciso descortinar o embate de uma era que acabava e, da qual, John Sullivan é o mais fiel representante e, de uma que se iniciava. A do boxe académico. No quadro do Sul dos Estados Unidos da América, nos fins do Século XIX, este combate ganhou uma ênfase ainda maior. Em todo o caso, o dia 7 de Setembro, foi um dia muito especial para o boxe. Dez anos depois de ter sido considerado o «Campeão dos Campeões», Sullivan foi, por sua vez, derrotado por «K.O.» ao 21º assalto. Abriu-se, então, uma magnífica carreira internacional ao novo campeão do mundo, que andou de sucesso em sucesso. Participou em «tournés» de exibição e combateu, quando se dignou a fazê-lo, com a multidão sempre a acarinhá-lo, porque se diferençava claramente dos Sharkey, Mc Vey, Peter Jackson e Slavin, outras das primeiras figuras da categoria. Além disso, era detentor do título mais invejado, o de «Pesados». Com efeito, se os regulamentos tivessem instituído diferentes categorias a fim dos pugilistas se baterem com homens do mesmo peso, não haveria a menor dúvida de que para o espírito do grande público, o verdadeiro campeão é o detentor do título máximo, a coroa de todas as categorias. Até aos nossos dias, este carácter subsiste e a história do boxe confunde-se, mais ou menos, com a dos grandes campeões de «Pesados».
A adulação que rodeou Jim corbett - e tanta era que passaram a designá-lo, sempre, pela alcunha de «gentleman Jim» - fez com que a valia dos campeões das categorias inferiores, fosse um pouco diminuída. E, no entanto, alguns destes, como o «Pluma» George Dixon, p.ex., que reinou de 1890 a 1900, na sua categoria, era de grande valor. Por ordem cronológica, Dixon, é o primeiro da grande linhagem de campeões negros. Todavia, apesar do seu grande talento, a sua popularidade nunca foi comparável à de Jim Corbett.
A evolução que a seguir se produziu, no sentido de uma maior velocidade de execução e de uma maior mobilidade, vai obrigar Corbett a abandonar o título mundial. O peso médio Bob Fitzimmons põe fim ao reinado de Corbett em 1897. Este desapareceu do primeiro plano, depois de ter sido distinguido como um campeão fora do vulgar. Raoul Walsh, ao fazer o seu célebre filme «Gentleman Jim», prestou-lhe uma merecida homenagem.
3. BOB FITZIMMONS
Poderia aqui ser apresentada a questão de quais são, no boxe, as morfologias e o gabarito ideais. Para responder a Corbett - 1,82 e 84 Kgs. - Fitzimmons opunha o seu físico tão característico. Ele tornou-se, primeiro, conhecido como «Médio», categoria em que foi campeão do mundo desde 1891 - e nesse peso, o seu tronco musculoso, as suas pernas magras e ossudas, a sua extraordinária envergadura (2 m.) para a sua altura, deram-lhe grande superioridade. O desmesurado comprimento dos seus braços, permitia-lhe desferir um «uppercut», ficando o braço a formar um U perfeito. Quando desafiou James Jim Corbett, a sua diferença de peso de 8 quilos, era compensada por uma envergadura superior, ao serviço de uma maior habilidade. Era, portanto, na relação peso/mobilidade, que se poderia perceber a superioridade do «challenger». A diferença de poder de golpe entre os dois pugilistas, não era suficientemente grande para travar a agilidade de Fitzimmons.
Neste tipo de combates, as possibilidades do mais leve residem, geralmente, no seu desenvolvimento rápido, antes que o cansaço venha angilosar os membros. Logo que este se começa a fazer sentir, o factor poder físico, torna-se predominante. Ao 14º assalto, Fitzimmons estoqueia Corbett e o título passa da América para a Inglaterra. De certa maneira, era a desforra da escola inglesa sobre a americana. Portanto, poderá concluir-se que as dimensões ideais são as do pugilista britânico? A pergunta continua sem resposta porque, neste campo, é na relação entre todas as características dos combatentes que se situa a chave da vitória e não em qualquer uma delas, em absoluto. e se os argumentos do inglês foram operantes frente a um Corbett, mesmo assim, são-no relativamente. Nessa época, alguns técnicos acreditaram que o elemento peso podia passar para segundo plano e, esta crença era alicerçada pela sucessão Sullivan/Corbett/ Fitzimmons, sempre favorável ao mais leve.
No entanto, o Século não iria acabar sem todos estes elementos serem colocados nos seus devidos lugares.
Dois anos após a vitória sobre Corbett, Fitzimmons viu ser designado como «challenger» ao seu título, James J. Jeffries.
4. JAMES J. JEFFRIES
Este americano, de modesta técnica pugilística, conheceu uma ascenção rápida. Combateu pela primeira vez em 1896, com 21 anos. Apesar da sua falta de ciência, possuía um poder de golpe extraordinário. a que se apoiava, nos seus 100 quilos. Bastaram-lhe três anos - durante os quais permaneceu invicto - para chegar a Bob Fitzimmons. O combate foi organizado em 1899. Se os 75 quilos do campeão do mundo tinham constituído uma desvantagem recuperável frente a James Jim Corbett, desta vez, os 25 quilos - um terço do seu próprio peso - separava-o do jovem Jeffries. Além disso, um outro factor jogava a seu desfavor - a idade! Pode resumir-se o combate, muito facilmente, pelos dados: Fitzimmons - 75 Kg. e 37 anos de idade; Jeffries - 100 Kgs. e 24 anos de idade.
A vitória de Jeffries - alcançada por «K.O.» ao 11º assalto -, por muito lógica que tenha sido, não poderia agradar aos puristas mais inclinados a considerarem melhores as qualidades próprias do pugilista do que os dados anatómicos. Por isso mesmo, grande número de amantes do pugilismo preferem ver combates de «Leves» ou de «Meios-Médios», devido à atracção que a sua maior vivacidade proporciona. Jeffries situa-se, no entanto, na linha dos «Pesados» de grande porte, tal a impressão de poderio físico que deixou atrás de si. O apogeu da sua carreira foi em 1900, quando aceitou combater com Jim Corbett - que tentava um retorno à actividade - e que ganhou ao 23º assalto. Desta vez, não podia ser acusado de ter vencido um adversário feito de encomenda. Desta vez, venceu um autêntico peso pesado. Jeffries abandonou os ringues em 1904, invicto.
Infelizmente, não escaparia à lei absoluta que determina que a plenitude dos meios tem, no boxe, um período de duração muito limitado e manchou a sua brilhante carreira com uma derrota inútil, ao tentar regressar aos ringues em 1910. Com Jeffries retirado em plena glória, os seus sucessores Marvin Hart e depois Tommy Burns, por muito hábeis e brilhantes que tenham sido, não trouxeram a este desporto qualquer originalidade para poderem ressaltar na sua história.
Em boa verdade, o combate Jeffries/Fitzimmons, absolutamente impossível de se dar segundo as normas modernas, constitui, pela sua atmosfera e pelo seu contexto, o ponto cimeiro desta época heróica.
A saída de Jeffries foi acompanhada por um certo vasio - mau! Os admiráveis «pequenotes» que foram Erne, Gans, Atell - que anunciava o fim de uma epopeia. Esta terminou com a «Belle Époque». Um último foguete de estrelas foi lançado por esse magnífico atleta que foi Jack Johnson. Ele marcou o fim do período.
5. JACK JOHNSON
O boxe concebido como meio de promoção social, está na origem de algumas carreiras fulgurantes, embora falando estatisticamente, ela seja mais obstáculo do que ajuda. Quando o pugilista se forma num meio desesperado e consegue, pela força dos seus punhos, içar-se ao altar da glória, acontece que muitas vezes o seu comportamento não se adapta, muito bem, à nova esfera onde evolui. Jack Johnson é um claro exemplo disso. Nascido no Texas em 1878, Johnson era um pobre negro que trabalhava nos campos de algodão. E, quando em 1897 subiu, pela primeira vez, a um ringue, em nada se distinguia da multidão de negros que tentavam escapar a uma vida sem esperança. Tendo ganho boa fama na sua cidade natal, Galvestone, sabe servir-se dos anos de aprendizagem e, nos seguintes, obteve dez vitórias. Em 1902 trava conhecimento com a Costa do Pacífico e combate em Los Angeles e São Francisco e, isto é já um grande passo para o jovem pesado. Em 1903 combate em Denver, depois Boston e Filadélfia.
O êxito obtido, como que o embebeda. Com um forte sentimento racista, tende a reservar a coroa de pesados para uma cabeça de branco. E, ele tem de defrontar repetidas vezes os melhores pugilistas negros da época, pois os organizadores faziam-nos lutar uns contra os outros, reservando os combates para o título mundial, para os brancos. Para exemplo, citamos que um dos melhores pesados americanos - Joe Jeanette - no espaço de 19 meses, defrontou Jack Johnson, por 8 vezes. Mais tarde, em Janeiro de 1908, é organizado um nono combate. O campeão titular, Tommy Burns, evita cuidadosamente os quatro ou cinco melhores pugilistas do mundo. No entanto, a pressão negra torna-se tão forte que os organizadores, mesmo contra vontade, decidem-se a fazer o combate entre Burns e Johnson. Este, aureolado por um palmarés de trinta e uma vitórias por «K.O.» desde o começo da sua carreira, faz de mau e rapa a cabeça para impressionar os seus adversários, tanto pelas invectivas que lhes dirige, como pela sua alta e bem proporcionada estatura. A distância entre o trabalhador agrícola e a vedeta, é grande. As suas excentricidades são imensas e a sua menosprezante pretensão, será sem limites, depois de vencer Tommy Burns no combate para o título mundial em Dezembro de 1908. Em plena posse dos seus meios, Johnson domina o boxe pelo seu estilo cheio de raça. No plano técnico, combinava um jogo defensivo bem trabalhado, com uma consumada ciência no corpo-a-corpo. Nisso, diferia bastante dos seus grandes predecessores, que tinham estabelecido a sua reputação praticamente sobre uma única especialidade. Fala-se no soco de Sullivan, da velocidade de Fitzimmons, do poder de Jeffries, etc. A sua grande singularidade, era a de ser um pugilista completo. Esta especialidade, coloca Johnson no pique do boxe moderno. Mas, a coisa mais contrastante neste homem, parece ser a sua oposição entre o seu pugilismo inteligente e o caso social. A um boxe bem calculado e sem falhas, opõe um comportamento provocante, dentro do ringue e na vida social. Atrai o ódio dos seus contemporâneos brancos. Este parece ter sido ao mesmo tempo, a causa e a consequência da atitude de Johnson. Seja qual fosse a motivação, elas eram inseparáveis e o seu destino desenrolou-se muito naturalmente.
Primeiro, procurou-se febrilmente como aniquilar este vaidoso, e, assim compreendido o seu caso, não deixa de ter uma certa analogia com o de Cassius Clay.
Segundo, as suas extravagâncias e a vida dissipada, alteraram a qualidade do seu boxe.
Terceiro, Johnson agarrou-se, desesperadamente, ao seu esplendor do passado, quando a hora do declínio chegou.
No que respeita ao primeiro ponto, procurou pôr-se à frente fosse de quem fosse, desde que branco e, com uma mínima possibilidade de o bater. Em consequência da clara e nítida superioridade dos pugilistas negros sobre os brancos, houve necessidade de recorrer ao velho James J. Jeffries, que não combatia há seis anos. O combate efectuou-se no Reno, em 1910 e em breve se verificou que Jeffries teria feito muito melhor em não sair da sua retirada. Apesar disso, o ex-campeão do mundo, durou quinze assaltos. Foi uma tremenda decepção para todos os que esperavam ver Johnson metido na ordem. Tiveram de esperar mais cinco anos, durante os quais Johnson queimou as suas energias à «tripa fôrra» - entre outros sítios, na alegre Paris - para poderem assistir à sua derrocada. Um campeão de mínima reputação, mas branco, Jess Willard, pôs Jack Johnson «K.O.» ao 26º assalto de um combate disputado em Havana, em 1915. Johnson tinha, na altura, 37 anos. No entanto, apesar da derrota, recusou-se a entrar na linha. Não se decidiu a abandonar o boxe que tinha feito dele uma estrela e continuou a sua carreira até aos 50 anos.
A época heróica findou com esta figura pitoresca, fruto de um contexto social especial.
Os Grandes Clássicos
A Grande Guerra de 1914/1918, marcou um tempo de paragem no boxe mundial.
Os grandes combates tornaram-se raros. As poucas vedetas escapadas à guerra, não tinham adversário. Jess Willard põe o seu título, uma única vez, em jogo, entre 1915 e 1919. Battling Levinsky reina entre os «Meios-pesados» e Ted Kid Lawis entre os «Meios Médios». Depois de acabado o grande conflito, o boxe ganhou um incremento sem precedentes. Após aqueles anos sombrios, foram numerosos aqueles que pensaram em conquistar um lugar ao sol. Uma multidão de homens sente-se libertada. Muitas vezes, é nos campos militares que aprendem lições dadas pelos grandes do passado. Muitos pugilistas de valor, do antes da guerra, converteram-se em treinadores e «managers» e fizeram os recém-chegados beneficiar da sua experiência. Para subir ao cimo, não bastava ter uma direita poderosa - eram mais de cem os que a possuíam - todos queriam ganhar. Disto, resultou a elevação do nível do boxe praticado. Em consequência disto, as elites aparecem com menos facilidade e durante menos tempo. O vedetismo supõe, então, uma disciplina de vida mais rigorosa porque, se no passado o campeão podia apontar dez pretendentes, a partir de 1918, eles eram mais de cem.
Com a ajuda do fenómeno da guerra, o boxe passou a interessar um muito maior número de pessoas e classificou-se como um dos grandes desportos universais. Os grandes clássicos não terão, senão, o mérito de se terem sabido superiorizar à massa. Ser-lhes-á preciso, além de uma panóplia técnica completa, uma centelha de génio. Cronologicamente, o americano Jack Dempsey e o francês Georges Carpentier, são os primeiros grandes de entre os primeiros grandes clássicos.
1. Jack Dempsey
Jack Dempsey é sem contestação, o mais conhecido de todos os pugilistas do passado. O seu reinado estendeu-se desde Julho de 1919 - data em que derrotou por «K.O.» ao 3º assalto Jess Willard - até ao fim de Setembro de 1926, ou sejam, sete anos e meio. O seu poder de golpe era impressionante - em 60 vitórias, ganhou 49 por «K.O.» - a sua técnica segura e a sua notável capacidade de encaixe - pois em 81 combates, sofreu uma única derrota por «K.O.» - mas tudo isto não é o bastante para explicar a sua imensa popularidade. Esta, deve ser procurada no contacto que ele sabia encontrar com o público, que se juntava cada vez mais nas sessões de boxe, saído da sua matriz aristocrática.
Procurava descobrir o herói no qual se reflectissem os desejos do público. Ora sobre o ringue, Dempsey encarnava, exactamente, esse tipo de herói. Beneficiando de um carácter firme, demonstrava autoridade frente aos seus adversários e dirigia os seus combates com determinação. Ao mesmo tempo, não poupava esforços, o que o tornava espectacular. A sua actividade foi intensa - 23 combates em 1917 e 72 combates e exibições em 1931 - porque ele esteve sempre decidido a consagrar-se ao boxe. Ardor, brio, eficácia, eis as qualidades apreciadas pelo espectador. A personalidade de Dempsey ajustava-se perfeitamente ao mito do herói. Ora, o combate de boxe de natureza viril, teatral no seu desenvolvimento, é propício à revelação de uma ligação íntima entre o pugilista e o público. Visto por este ângulo, parece que a atracção de Jack Dempsey é mais psicológica do que técnica. Sob este ponto de vista, o estilo de Dempsey não atinge os pináculos, mas com o decorrer dos anos melhorou progressivamente, conforme o seu palmarés o confirma - a maioria das suas sete derrotas é anterior à conquista do título mundial.
Por outro lado, a sorte de Dempsey, ao longo da sua extensa carreira, deve-se ao facto do seu caminho se ter cruzado com o de adversários de grande categoria. Este facto foi, evidentemente, muito razoável para a expansão das suas reais capacidades. A partir de 1917, Billy Minsk, Georges Carpentier, Luís Firpo, Gene Tunney, Jack Sharkey, cruzaram-se com ele. Poucos pugilistas tiveram ou terão tido, depois dele, a possibilidade de terem à sua disposição adversários de tão alto gabarito e de tão diversos estilos. Pondo de parte as suas qualidades naturais, excepcionais, a explosão de Dempsey parece ligada ao contexto pugilístico dos anos vinte. Nascido em 1895 no colorado, Jack Dempsey iniciou a sua carreira em 1914. Foi sem grande dificuldade que, aos 26 anos de idade, se tornou campeão do mundo, «varrendo» o gigante Jess Willard (Julho de 1919). Nessa época, em consequência do conflito internacional, o mundo do boxe funcionava ainda em circuito fechado. A maior parte dos adversários eram de nacionalidade americana. Pouco a pouco, as relações desportivas intercontinentais, foram restabelecidas por completo. Na Europa e na América Latina, afirmaram-se novos talentos. Assim, Carpentier em França e Firpo na Argentina, forçaram Jack Dempsey a ter de medir forças com estes estrangeiros, a fim de confirmar o seu título de campeão. Em 1921 combateu com Georges Carpentier, que acabava de conquistar o título mundial de «Meios-Pesados». Ao interesse imediato suscitado pela organização de uma das primeiras reuniões pacíficas do pós-guerra, juntou-se a paixão ocasionada pelo choque entre o poderoso americano e o elegante francês. Enquanto em França se pensava que o combate era muito aberto e que a agilidade felina de Carpentier poderia levar a melhor sobre Dempsey, nos Estados Unidos da América, a opinião era totalmente diferente e a cotação muito favorável ao campeão. O combate foi combinado para doze assaltos e a ele assistiram oitenta mil pessoas, o que, sem constituir um recorde, demonstra bem o entusiasmo que a luta provocou. Depois do «challenger» ter feito estremecer o campeão, no segundo assalto, o titular acabou rapidamente e Carpentier foi posto «K.O.» ao quarto assalto.
Dois anos mais tarde, foi a vez do argentino Luís Firpo ser posto «K.O.», em dois assaltos, perante oitenta e dois mil espectadores. Em dois combates, Dempsey acabou por afirmar a sua supremacia sobre os pugilistas europeus e sul-americanos, representados pelos seus melhores pugilistas - Carpentier e Firpo. Assim reinou, sem contestação, até 1926, limitando-se a exibições e combates fáceis, mas, atraindo sempre muitos espectadores para os ringues.
Em Setembro de 1926 teve de enfrentar um pugilista cuja capacidade estava a subir, Gene Tunney, e perdeu o seu título em dez assaltos.
Em Setembro de 1927, a sua derrota do ano anterior, foi confirmada por uma nova decisão, aos pontos, em dez assaltos, favorável a Tunney.
Acabou, assim, o grande reinado de Jack Dempsey, quando tinha 31 anos de idade. Teve como maior consolo, o ter reunido cento e dois mil e cento e quatro mil espectadores, nestes dois últimos grandes combates. Foi um campeão de inigualável popularidade, que abandonou a «arena» desportiva.
Como se previa, os promotores tiraram os maiores proventos graças a uma exploração sistemática, na área comercial, o que faz com que, de certa forma, se possa dizer que Jack Dempsey está na origem daquilo a que se dá o nome de «boxing-business», ou seja, o negócio do boxe.
2. Georges Carpentier
Até aqui, foi possível traçar a história do pugilismo, através da sucessão de campeões de «Pesados». A razão é que, apesar dos campeões de «Plumas» como Dixo, Attel, Kilbane, do «Leve» - Gans, do «Meio-Médio» - Ted Kid Lewis, do «Médio» - Ketchell e dos «Meios-Pesados» - Burns e Levinsky, o essencial da progressão técnica era-lhes atribuível.
Por outro lado, o público à procura da superioridade absoluta, mostrava muito maior interesse pelos homens fortes, do que pelo virtuosismo dos movimentos. Portanto, há um registo de arte pugilística inacessível aos homens pesados. A educação do público, a sua «cultura pugilística» consecutiva ao «boom» depois de 14/18, vão conduzir a uma especificação de estilos, segundo as diferentes categorias de peso e haverá um público tanto para as lutas titânicas entre «Pesados», como para os assaltos de grande beleza estética das categorias mais leves. Todas as partes participantes ganham uma nova evolução, neste sentido.
Em primeiro lugar, o público tem a livre escolha de vários tipos de combate. Em segundo lugar, os pugilistas podem ter uma carreira frutuosa, mesmo que não pertençam à categoria de «pesados». E, em terceiro lugar, os organizadores têm a possibilidade de organizar muito maior número de combates. A diferenciação das técnicas em relação aos pesos dos pugilistas, fará com que dentro em breve se fale do poder de soco de um «Pesado», do jogo de pernas de um «Médio», ou da velocidade de execução de um «Pluma». Este novo carácter nota-se, de tal forma, que certas nações irão ao ponto de se especializarem no «produção» de vedetas, segundo a morfologia dominante do país. Estão neste caso os grandes pesos «Médios» franceses - Thil, Cerdan, Villemain, Dauthuile, etc.; Os pesos «Galos» mexicanos - Manoel Ortiz, Becerra, Castillo, etc.; Os «Moscas» asiáticos - Shirai, Ebihara, Kingpetch, Chionoi; E os «Pesados» americanos (dezoito campeões do mundo).
Nesta perspectiva, Carpentier assinala-se como um percursor. A sua maneira de combater apresentava muitas originalidades e ele utilizava ao máximo os recursos do seu peso - 79 Kgs. O seu sucesso foi devido, em grande parte, à sua bizarra morfologia. Em qualquer das hipóteses, não há dúvida que fez escola, mas o seu estilo não era adaptável a um físico normal, de peso médio. A sua inteligência, no ringue, levava-o a combater em dois campos. Por um lado, os seus recursos e o poder de golpe, não são, senão, ligeiramente inferiores aos de um «Pesado»; Por outro lado, as suas faculdades de movimentação, são muitíssimo superiores.
O Boxe em Portugal
Não há ciência certa de como este desporto apareceu em Portugal, todavia, há prova documental de que num domingo, dia 4 de Julho de 1909, se efectuo um combate de boxe entre um inglês de nome Drumond e o negro norte americano, Sam MacVea, o «Baby Tar» de Boston (bebé alcatrão).
Dada a curiosidade o recinto encheu-se de um público atento que vibrou com as peripécias da luta, que Sam MacVea ganhou por margem confortável.
Depois disso a modalidade começou a ganhar estruturas com a actividade de amadores nos clubes, Ginásio Clube Português, Clube Arte e Sport, Sport Cruz Quebradense, Clube Português de Recreio e Desporto, o popular «Choras». É claro que daí veio a nascer a competição.
No entanto, o primeiro combate de boxe entre portugueses, realizou-se no Ginásio do Arte e Sport, que era no terceiro andar do Palacete onde está hoje a Caixa Geral de Depósitos, ali no Calhariz.
Foram intervenientes, Humberto Caldas do Ginásio Clube Português e Nascimento Lis, um cantor de Ópera, que estivera alguns anos em Itália e lá aprendera a jogar boxe.
A movimentação pugilística aumentou, e em Março de 1914 foi fundada a Federação Portuguesa de Boxe, por influência do inglês Guilherme Shirley.
O primeiro Presidente da Federação, foi o levantador Manuel da Silveira do Ginásio Clube Português, que tomara parte bastante activa nas reuniões.
A saída de Guilherme Shirley para os EUA, devido á Grande Guerra, fez cair o entusiasmo, mas como é habitual surgiram carolas, que não deixaram o boxe acabar.
A Grande Guerra contribuiu para essa menor actividade, mas na década de 20 ela ressurgiu para ter o seu período brilhante.
Primeiro, aparece Silva Ruivo, que foi Campeão Nacional até 1925, e que depois foi tudo no boxe: Treinador, Árbitro, Dirigente, etc...
Por esta altura merece especial relevo os Torneios organizados pelo Jornal «O Século». Nomes como os irmãos Barceló, Godofredo Campos, Aragão de Andrade, Abel da Cunha e Luis Xavier foram nesta época bons praticantes.
Em profissionais, os nomes mais sonantes, foram os de José Santa Camarão, «O Gigante de Ovar» e Isidro de Pinto de Sá, o qual emigrou para os EUA e foi o único português a lutar pelo Título Mundial de «Galos». Fê-lo em Junho de 1926 frente ao italiano Fidel Labarda.
Na década de 30 surgiram os nomes de Horácio Velha, António Rodrigues, Aníbal Prior e Rosa Rodrigues.
Na década de 40, houve um «boom» na actividade com a chegada dos moçambicanos Luis Eugénio «Xangai» Carlos Wilson, Beny Levi e Fernando Matos, que juntamente com Valente Rocha, Alfredo Oliveira, Eduardo Alves e tantos outros, fizeram bons combates no Parque Mayer.
A Actividade no campo amador também era muita intensa, e o Clube Desportivo Lisgás, notabilizou-se com a conquista de vários campeonatos, sendo a equipa formada por Armando Costa, Romeu Correia, Manuel Martins, Patrício Álvares e Carlos Alberto.
Na década de 50, houve ainda uma continuidade com o aparecimento de Belarmino Fragoso, Chico Santos, Fernando Sota, Júlio Martins, Jaime Santos e Tiago Costa.
Sendo muito difícil a actividade nesta altura como amador, houve no entanto a grande acção de Pierre Charles e de Gil Fernandes, os quais com grande perseverança ainda permitiram o aparecimento de valores como, Portugal Nunes, António Martinheira, Fernando Tavares, António Augusto e Manuel Antunes.
Houve ainda uma tentativa de reanimar o pugilismo profissional, com tantos valores, mas o projecto faliu por falta de meios financeiros.
Para breve a continuação dos anos 60 – 70 – 80 e 90.