Acórdão do Conselho de Justiça
da
Federação Portuguesa de Rugby
Processo CJ n.º: 4/2019
Recorrente: Diogo Santana
Relator: António Folgado
Jogo: AEIS Técnico vs. CDUP, Taça Europcar Challenge
Data: 09 de Dezembro de 2018
Sumário: I. As sanções disciplinares são aplicadas em face do relatório do árbitro ou em resultado de inquérito realizado com base em participação de qualquer membro dos órgãos sociais da FPR, como resulta do artigo 10.º do Regulamento de Disciplina.
II. A instauração do processo disciplinar deve ser proferida no prazo de 2 (dois) dias úteis a contar da data de receção do processo pelo Conselho de Disciplina, mas, em qualquer caso, nunca depois de decorridos 6 (seis) dias úteis, a contar da data da realização do jogo ou da data em que aquele órgão tem conhecimento dos factos.
III. Nos recursos para o Conselho de Justiça devem ser apreciadas apenas e só as questões de direito, subsumindo-as à factualidade apurada pelo Conselho de Disciplina em sede de processo disciplinar ou de inquérito.
Diogo Santana, fisioterapeuta da Associação de Estudantes do Instituto Superior Técnico (AEIST) vem, por via de recurso, requerer a prescrição do processo e a nulidade da decisão do Conselho de Disciplina (CD) da Federação Portuguesa de Rugby (FPR), de 9 de janeiro de 2019, que lhe aplicou a sanção de suspensão da atividade por noventa (90) dias e multa de quatrocentos Euros (€ 400,00).
1. O recurso deu entrada na FPR no dia 18 de janeiro de 2019, via mensagem de correio eletrónico remetida através do endereço Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.pelo que, tendo o ora recorrente sido notificado no dia 11 do mesmo mês de Janeiro, o mesmo é tempestivo, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 16.º e do artigo 41.º ambos do Regulamento de Disciplina (RD), tendo legitimidade para recorrer.
2. No recurso interposto, o ora recorrente alega, em suma, que a decisão do CD:
(a) Não podia ter sido aplicada por se ter operado a prescrição do procedimento disciplinar, além de não ter sido instaurado um processo disciplinar, não ter sido respeitado o princípio do contraditório, nem observados os prazos previstos nos artigos 13.º e 39.º do RD.
(b) Enferma de vício de nulidade de todo o processado pelos mesmos motivos, ie, a inexistência de um processo disciplinar face à sanção aplicável em abstrato e a não observância do princípio do contraditório.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
3. No dia 9 de Dezembro de 2018, no jogo da Taça Europcar Challenge, disputado no Campo das Olaias entre as equipas da AEIST e do CDUP, aquando da conversão de uma penalidade, a sete minutos do final desse jogo, o árbitro foi interpelado pelo fisioterapeuta Diogo Santana, ora recorrente, que, de forma desafiante e agressiva lhe dirigiu palavras ofensivas afirmando «não serves para nada, sempre a mesma merda», não tendo acatado a ordem para abandonar a área técnica, tendo continuado a vociferar novos insultos, o que levou a que várias pessoas o tivessem de agarrar de novo.
4. No final do jogo e como resulta da factualidade descrita no relatório disciplinar adicional do árbitro, quando este se voltou a cruzar com o ora recorrente no acesso aos balneários, o mesmo voltou a faltar-lhe ao respeito, com afirmações do tipo «muito má a tua arbitragem, vens a Portugal fazer palhaçadas e tens de aprender a falar em português».
5. Resulta dos n.ºs 1 e 2 do artigo 10.º do RD que as sanções disciplinares são aplicadas em face do relatório do árbitro ou em resultado de inquérito realizado com base em participação de qualquer membro dos órgãos sociais da FPR, sendo que, nos termos do artigo 11.º do mesmo Regulamento, quando cometida uma infração disciplinar na área de jogo, o árbitro deve descrever pormenorizadamente no espaço destinado ao «relatório complementar», inserido no verso do Boletim de jogo ou em aditamento ao mesmo, os factos ocorridos, as circunstâncias que os acompanharam, os efeitos provocados e a decisão tomada, requisitos a que foi dado cumprimento conforme resulta da documentação existente no processo (sublinhado nosso).
6. No caso concreto, tendo o jogo sido realizado a 9 de Dezembro de 2018, o árbitro remeteu aos serviços da FPR, no dia imediato (10/Dezembro 2018) um aditamento ao Boletim de Jogo onde descreve detalhadamente os factos ocorridos, as circunstâncias que os acompanharam, os efeitos provocados e a decisão tomada.
7. Toda a documentação relativa ao jogo em apreço foi enviada pelos serviços da FPR ao Conselho de Disciplina (CD) no dia 11 Dezembro de 2018, tendo este órgão deliberado a abertura de processo disciplinar no dia 12 de Dezembro de 2018, o que é confirmado pela leitura da Nota de Culpa, dessa mesma data, que foi depois remetida ao clube do ora recorrente no dia 14 de Dezembro de 2018, pelas 18H46.
8. De acordo com a Nota de Culpa, o ora recorrente foi notificado para, no prazo de 5 dias úteis, apresentar a sua defesa e os meios de prova que entendesse como relevantes, sendo de sublinhar que, tendo a mensagem de correio eletrónico sido enviada já depois das 17H00 do dia 14 de Dezembro, a contagem do aludido prazo se iniciou apenas em 17 de Dezembro (cfr. Artigo 15.º, n.ºs 1 e 3 do RD), tendo o mesmo expirado no dia 24 de Dezembro de 2018.
9. Regularmente notificado para responder à Nota de Culpa, o ora recorrente não o fez, pelo que, na ausência do exercício do direito ao contraditório, o CD, através de decisão de 9 de Janeiro de 2019, lhe aplicou a sanção de suspensão da atividade por noventa (90) dias e multa de quatrocentos Euros (€ 400,00).
10. No recurso apresentado, começa o ora recorrente por invocar a prescrição do procedimento, mais afirmando que estando em causa a aplicação de uma sanção superior a 4 semanas é obrigatória a instauração de um processo disciplinar, o que o CD não fez. Mais refere que, havendo processo disciplinar, é obrigatório respeitar o contraditório, sendo também obrigatória a instauração de inquérito, como resulta dos artigos 10.º, n.º 4 e 13.º, n.º 1 do RD. Além disso, para a deliberação de instauração do processo disciplinar, existe o prazo de 2 dias úteis a contar da receção do processo, prazo este que em qualquer caso nunca poderia exceder 6 dias a contar da data de realização do jogo. Conclui, assim, que não existe deliberação do CD e que o processo estará prescrito porque em 9 de Janeiro de 2019, data da decisão sancionatória, já estava precludido o prazo para desencadear a ação disciplinar.
11. Não assiste razão ao ora recorrente, ao laborar em confusão, senão vejamos.
12. Como se comprova desde logo pela leitura da documentação existente no processo, entre o envio da documentação ao CD (11/Dezembro) e a decisão de abertura do processo disciplinar, com a elaboração da correspondente Nota de Culpa (12/Dezembro) decorreu apenas e tão só um único dia, tendo esta peça processual sido depois remetida pelos serviços da FPR ao ora recorrente em 14 de Dezembro.
13. Encontram-se, por conseguinte, cumpridos os requisitos plasmados no artigo 13.º, n.º 1 do RD, ou seja, o processo disciplinar foi instaurado pelo CD dentro do prazo de 2 dias a contar da receção do processo (12/Dezembro). Acresce que, ainda que esse prazo não tivesse sido cumprido, não se verificou qualquer prescrição do procedimento porquanto, tal como resulta da parte final do aludido preceito, a decisão de abertura de processo disciplinar poderia ter ocorrido até 6 dias úteis a contar da data do conhecimento dos factos pelo CD (19 de Dezembro).
14. De registar que, certamente por lapso, o ora recorrente se esqueceu de fazer referência a esta «data de conhecimento dos factos», apenas se referindo aos 6 dias a contar da «data de realização do jogo», esquecendo também que, feitas as contas, esses 6 dias úteis para a instauração (ou não) de procedimento disciplinar apenas se esgotariam em 17 de Dezembro de 2018.
15. Mais se dirá, para cabal esclarecimento do ora recorrente, que não resulta da regulamentação em vigor, que, perante a previsível aplicação de determinada sanção era obrigatória a abertura de um inquérito (artigo 10.º, n.º 4), porquanto é claro e inequívoco que a aplicação de sanções disciplinares ou são aplicadas em face do relatório do árbitro ou em resultado de inquérito realizado com base em participação de qualquer membro dos órgãos sociais da FPR e nunca cumulativamente com utilização destas duas formas processuais.
16. E também não tem razão quando vem afirmar que não foi observado o princípio do contraditório já que, não tendo respondido à Nota de Culpa, da qual foi regularmente notificado, entendeu o ora recorrente prescindir de exercer o seu direito de defesa (cfr artigo 15.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3).
17. Alega ainda o recorrente a nulidade de todo o processado, insistindo na obrigatoriedade de instauração de processo disciplinar e a verificação do princípio do contraditório o que, como suficientemente demonstrado, se verificou estar longe de ter ocorrido, pelo que não merecem vencimento, também neste aspeto, as suas afirmações.
18. Consequentemente, não se afigura necessário qualquer comentário à impugnação dos factos apresentada pelo ora recorrente, porquanto além de não o ter feito na altura própria, cumpre recordar que não cabe ao Conselho de Justiça apreciar factos, mas apenas a aplicação das disposições regulamentares à factualidade ocorrida.
19. Aqui chegados, conclui-se que improcedem a prescrição e as nulidades invocadas.
Decisão
Pelo exposto, decide o Conselho de Justiça considerar improcedente o recurso apresentado por Diogo Santana, fisioterapeuta da AEIST e manter a decisão recorrida que lhe aplicou a sanção de suspensão da atividade por noventa (90) dias e multa de € 400,00 (quatrocentos Euros).
Alerta-se ainda para o disposto no artigo 23.º do RD sobre as consequências previstas para os casos de não liquidação à FPR do valor das multas aplicadas em sede de responsabilidade disciplinar.
Notifique.
Lisboa, 18 de Março de 2019
António Folgado
José Guilherme Aguiar (Presidente)
Pedro Pardal Goulão
Pedro Eiró