Acórdão do Conselho de Justiça
da
Federação Portuguesa de Rugby
Processo CJ n.º: 9/2019
Recorrente: Vasco Rafael Simões Gomes, atleta do Moita Rugby Clube da Bairrada
Relator: António Folgado
Jogo: Moita Rugby Clube da Bairrada vs. Braga Rugby, CN2 Sénior – 2ª Fase, Apurados N/C
Data: 09 de Março de 2019
Sumário: I. Presumem-se verdadeiros os factos descritos pelo árbitro no relatório disciplinar do Boletim de Jogo, cabendo aos autores desses factos afastar tal presunção.
II. O envio do Boletim de Jogo à FPR (artigo 11.º, n.º 3 do RD) e o início da contagem do prazo para determinação da abertura do inquérito ou do procedimento disciplinar (artigo 13.º, n.º 1 do RD) são situações distintas e que não devem confundir-se.
III. O não cumprimento do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RD, impede o CD de determinar a abertura de inquérito ou de procedimento disciplinar.
Vasco Rafael Simões Gomes, atleta do Moita Rugby Clube da Bairrada (MRCB) vem, por via de recurso, requerer a revogação da decisão do Conselho de Disciplina (CD) da Federação Portuguesa de Rugby (FPR), de 20 de março de 2019, que lhe aplicou a sanção de seis (6) semanas de suspensão.
1. O recurso deu entrada na FPR no dia 01 de Abril, através de mensagem de correio eletrónico pelo que, tendo o ora recorrente sido notificado no dia 22 de Março, o mesmo é tempestivo, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 16.º e do artigo 41.º ambos do Regulamento de Disciplina (RD), tendo legitimidade para recorrer.
2. Nas suas alegações o ora recorrente afirma, em síntese, que a decisão do CD deve ser revogada, porquanto:
(a) o processo disciplinar é nulo, já que o árbitro do jogo não deu cumprimento ao estipulado no n.º 3 do artigo 11.º do RD;
(b) reconhecendo uma violação daquela disposição, o CD não levou em conta a nulidade arguida na defesa que apresentou à nota de culpa, porque o entendimento deste órgão é o de que o prazo que deve ser tido em conta para o envio do Boletim de Jogo pelos árbitros é de 2 dias úteis e não o próprio dia após o fim dos jogos.
(c) esta decisão é inaceitável e, por isso, deve ser revogada porque viola manifestamente os princípios da segurança pública e da proteção da confiança e, assim, o processo disciplinar deve ser arquivado.
(d) a decisão do CD viola também o princípio da igualdade.
Tudo visto, cumpre apreciar.
3. No dia 9 de Março de 2019, no jogo do CN2 Sénior – 2ª Fase, Apurados N/C, disputado no campo do RCMB, na Moita-Anadia, entre esta equipa e o Braga Rugby, aos 17 minutos da segunda parte, na sequência de um ruck, o atleta Vasco Rafael Simões Gomes, ora recorrente pontapeou um jogador adversário, que se encontrava no chão, na zona do braço.
4. Em sede de procedimento disciplinar, depois de apreciados os factos, a resposta à nota de culpa, bem como a demais prova documental e testemunhal, decidiu o CD aplicar ao ora recorrente a sanção de seis (6) semanas de suspensão, atendendo à gravidade da conduta praticada, tal como prevista no artigo 26.º, alínea d)-1 do RD.
5. Resulta dos n.ºs 1 e 2 do artigo 10.º do RD que as sanções disciplinares são aplicadas em face do relatório do árbitro ou em resultado de inquérito realizado com base em participação de qualquer membro dos órgãos sociais da FPR, sendo que, nos termos do artigo 11.º do mesmo Regulamento, quando cometida uma infração disciplinar na área de jogo, o árbitro deve descrever pormenorizadamente no espaço destinado ao «relatório complementar», inserido no verso do Boletim de Jogo ou em aditamento ao mesmo, os factos ocorridos, as circunstâncias que os acompanharam, os efeitos provocados e a decisão tomada, requisitos a que foi dado cumprimento conforme resulta da documentação existente no processo.
6. Mais refere o n.º 3 do mesmo preceito que o clube visitado deve obrigatoriamente, em qualquer circunstância, haja ou não infrações, disponibilizar meios para o envio do boletim de jogo para a FPR após o fim do jogo. Em caso excecional de impossibilidade deste envio, devidamente relatado no próprio boletim, o árbitro deve assegurar a sua entrega ou envio através de fax ou de correio eletrónico para a FPR, até às 18H00 do segundo dia útil seguinte ao dia da realização do jogo.
7. Como resulta de anteriores decisões, o Conselho de Justiça deve debruçar-se exclusivamente sobre a aplicação das normas regulamentares e de Direito vigentes e não sobre os factos e a sua prova, cumprindo apreciar o fundamento do recurso interposto pelo ora recorrente que assenta, no seu todo, na repetição do já apresentado na nota de culpa, registando-se que não se encontra uma única palavra que conteste a conduta de que é autor, relatada pelo árbitro e apreciada e decidida pelo CD, ou seja, o pontapear um jogador adversário que estava no chão.
8. Ou seja, no caso vertente, o ora recorrente não afasta a existência nem a autoria dos factos, ou a forma como foram praticados, factos estes que são graves, refugiando-se apenas em questões de procedimento, sobre o cumprimento ou incumprimento do árbitro da data para o envio do Boletim de Jogo para a FPR.
9. É facto assente que o árbitro não enviou o Boletim de Jogo para a FPR logo após o final do jogo, nem indicou no mesmo as razões porque não o fez. Todavia, remeteu o mesmo à FPR dentro do prazo previsto na segunda parte do n.º 3 do artigo 11.º do RD, a saber, dentro dos dois dias úteis seguintes ao dia em que o jogo se realizou.
10. Sendo desconhecido se existiram razões ou motivos que impossibilitaram tal envio logo após o jogo, não alega o ora recorrente, nem sequer disso procurou fazer prova, de que o RCMB tinha à disposição e disponibilizou ao árbitro os meios necessários para o envio do Boletim de Jogo, pelo que, além de se tratar de uma mera irregularidade de procedimento, face ao previsto no RD, que se considera sanada, ainda assim aquele remeteu, no prazo regulamentar, o aludido Boletim à FPR. O alegado pelo recorrente é situação que não pode servir de justificação para procurar eximir-se às consequências da prática dos factos, nem preclude a possibilidade do exercício da ação disciplinar pelo CD, e muito menos colocou em crise a possibilidade de exercício dos direitos do então arguido, nomeadamente o direito ao contraditório.
11. A par do que antecede, não relevam também as alegações de violação do princípio da segurança pública ou da proteção da confiança já que, no caso concreto, estamos tão só perante um alegado atraso – que não se verificou - do envio do Boletim de um jogo à FPR. Aliás, questionamos se esse atraso no envio seria um facto suficientemente grave que permitiria a não apreciação em sede disciplinar da conduta do autor, o ora recorrente, que ficaria sem punição pela prática de facto grave. Não entende este Conselho que tal possa ser admissível.
12. Não deve confundir-se um pretenso atraso do Boletim de Jogo com uma hipotética violação do princípio da segurança jurídica – com transcreve o ora recorrente, através do qual «o indivíduo tem do direito poder confiar em que os seus atos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçados em normas jurídicas vigentes e válidas por esses atos jurídicos deixado pelas autoridades com base nessas normas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico…», nem, sequer, uma violação do princípio da confiança, entendido, na transcrição que é feita pelo mesmo, que exige «…fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos atos do poder; de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios atos».
13. Tal como não lhe assiste razão quando vem alegar uma violação do princípio da igualdade, remetendo para uma decisão do CD, de 18 de dezembro de 2018 que, por sua vez, faz referência aos Acórdãos n.º 35/2015, de 17 de Fevereiro e n.º 38/2015, de 5 de Junho.
14. É imperioso sublinhar que os identificados Acórdãos apenas se pronunciam sobre o prazo para a abertura de inquérito e de processo disciplinar pelo CD (artigo 13.º. n.º 1 do RD) e a caducidade que poderá operar pelo não cumprimento desse prazo, mas não tecem quaisquer considerações sobre os efeitos que decorrem de um atraso do envio do Boletim de Jogo à FPR (artigo 11.º., n.º 3 do RD), sendo, por isso, situações completamente distintas e que não relevam para o caso concreto.
15. Naturalmente que, como alega o ora recorrente, ao socorrer-se de uma frase prevista num dos parágrafos dos aludidos Acórdãos, “a caducidade do procedimento disciplinar determina a extinção do direito do CD de iniciar o procedimento disciplinar, não produzindo a decisão que daí decorre quaisquer efeitos”. Na realidade, o envio do Boletim de Jogo à FPR (artigo 11.º, n.º 3 do RD) e o início da contagem do prazo para determinação da abertura do procedimento disciplinar (artigo 13.º, n.º 1 do RD) têm, por isso, um diferente significado e alcance.
16. Presumem-se verdadeiros os factos descritos pelo árbitro no relatório disciplinar do Boletim de Jogo, cabendo aos autores desses factos afastar tal presunção. No caso vertente, os factos estão suficientemente descritos, conforme é, aliás, reconhecido implicitamente pelo ora recorrente que, em sede de processo disciplinar não conseguiu – nem sequer o procurou fazer – afastar a autoria dos mesmos, repetindo a sua estratégia em sede de recurso, apresentando a mesma fundamentação.
17. Assim, resulta do que atrás foi dito que o processo disciplinar não padece de quaisquer vícios ou nulidades, registando-se tão só uma mera irregularidade no envio do Boletim de Jogo, que deve ser desvalorizada porque em nada afetou os direitos do ora recorrente e se considera suprida, além de que foi feita pelo CD uma correta apreciação e valoração da factualidade.
Decisão
Pelo exposto, decide o Conselho de Justiça negar provimento ao recurso apresentado por Vasco Rafael Simões Gomes, atleta do Moita Rugby Clube da Bairrada, e manter a decisão recorrida que lhe aplicou a sanção de seis (6) semanas de suspensão.
Notifique.
Lisboa, 24 de Abril de 2019
António Folgado (Presidente e relator)
António João Viana
Ricardo Junqueiro
Ana Carvalho Venâncio