Acórdão do Conselho de Justiça
da
Federação Portuguesa de Rugby
Processo CJ n.º: 13/2019
Requerente:Belas Rugby Clube
Relator:José Guilherme Aguiar
Jogo:Belas Rugby Clube vs Clube de Rugby do Técnico
Data:6 de Janeiro de 2019
Sumário:I. O meio processual adequado para um clube reagir contra a utilização irregular de jogadores num jogo em que tenha participado traduz-se, em regra, na apresentação de um protesto e não na participação disciplinar.
II. Esta regra não é aplicável sempre que o clube que apresente a participação alegue e demonstre que apenas teve conhecimento da utilização irregular de jogadores após o jogo em causa.
III. O direito de participação, sobre a prática de eventuais infrações disciplinares apenas conhecidas posteriormente à realização de um jogo, apenas pode ser exercido pelo clube que participou nesse jogo e não por clubes terceiros, devendo tal participação ser feita no prazo de 5 dias úteis a contar desse conhecimento e nas condições previstas no artigo 10.º, n.º 2 do RD, extinguindo-se por caducidade após o referido prazo.
O Belas Rugby Clube vem, através de requerimento de 6 de maio de 2019, solicitar a revisão da decisão do Conselho de Justiça, de 27 de março de 2019, que decidiu dar provimento ao recurso interposto pelo Clube de Rugby do Técnico, revogando a decisão do Conselho de Disciplina (CD) da Federação Portuguesa de Rugby (FPR), de 27 de Março, que tinha aplicado a este clube a sanção de multa no valor de € 1000 (mil Euros), a sanção de falta de comparência injustificada e a consequente eliminação do Campeonato Nacional da 2.ª Divisão (CN2) e despromoção ao último escalão competitivo sénior, impossibilitando, por esta via, a possibilidade de ser promovido ao CN1 no primeiro ano em que se inscrever na época desportiva seguinte àquela em que ocorreu a desclassificação, porquanto ter ficado provado que este último clube utilizou um jogador que, além de se encontrar a cumprir a sanção de suspensão, utilizou uma identidade falsa no jogo disputado em 6 de Janeiro de 2019 entre as duas equipas. Invoca, para este efeito, o artigo 499.º do Código do Processo Penal, de aplicação subsidiária ao RD da FPR.
Enquadramento
1. Admitido o requerimento e afigurando-se importante recordar os factos, sucedeu que ao ter conhecimento de que o Clube de Rugby do Técnico fez alinhar, no jogo do CN2 contra a sua equipa, realizado em 6 de Janeiro de 2019, um jogador que se encontrava suspenso e utilizou uma identidade falsa, o Belas Rugby Clube apresentou à FPR, no dia 16 do mesmo mês, uma participação ao abrigo do artigo 10.º, n.º 2 do RD, acompanhada de cópia do Boletim de Jogo, bem como de vídeo do jogo e fotografias, onde era identificado o referido jogador, de nome João Aresta Branco Viegas Cantante.
2. Recebido o requerimento, o CD decidiu abrir um inquérito onde confirmou que o aludido jogador, jogou com identidade falsa e enquanto se encontrava suspenso pelo que, neste circunstancialismo, decidiu abrir um processo disciplinar contra este atleta e também contra o Clube de Rugby do Técnico, ao abrigo do artigo 13.º e do artigo 39.º do RD, face aos comprovados indícios da prática de infrações disciplinares graves.
3. No âmbito do processo disciplinar que lhe foi instaurado, o Clube de Rugby do Técnico, na resposta à nota de culpa, nem uma palavra utilizou para contestar as infrações de que vinha indiciado, admitindo assim implicitamente a sua prática, mas refugiou-se apenas em questões processuais, como a de que a participação do Belas Rugby Clube, sobre a utilização irregular de jogador, correspondia materialmente a um protesto e, por isso, não tendo este sido apresentado, a mesma deveria ser indeferida, além de que tal participação foi apresentada a 16 de Janeiro de 2019, fora do prazo previsto no artigo 10.º, n.º 3 do RD, ao que acresce que, tendo tido conhecimento dos factos alegados pelo Belas Rugby Clube nesse dia 16 de Janeiro a decisão do CD de abrir inquérito e processo disciplinar deveria ter sido feita no prazo de 2 dias úteis, pelo que é extemporânea e devendo operar a caducidade.
4. Estes argumentos não colheram vencimento junto do CD, que decidiu com base nas disposições regulamentares em vigor, nomeadamente o artigo 10.º, n.º 3 e do artigo 13.º, n.º 1 do RD. Assim, considerando que a participação do Belas Rugby Clube, remetida em 16 de Janeiro de 2019 à FPR, foi feita dentro do prazo previsto no RD, o CD aplicou ao Clube de Rugby do Técnico as sanções atrás identificadas.
5. Notificado da decisão condenatória, o Clube de Rugby do Técnico recorreu para o Conselho de Justiça (CJ) que, no já citado Acórdão n.º 6/2019, de 27 de Março de 2019, considerou que, efetivamente, o protesto é a figura processual adequada para reagir à utilização irregular de jogadores. Mais considerou o CJ que, por uma questão de lógica e operacionalidade do próprio sistema jurídico-disciplinar, entende que o clube denunciante não está, no entanto, obrigado a lançar mão do protesto, caso alegue e demonstre que apenas tomou conhecimento da utilização irregular de jogadores após o jogo que esteja em causa. (sublinhado nosso), mas que a participação do Belas Rugby Clube não demonstrava, de resto nem alegava, a superveniência de tal conhecimento.
6. E mais referiu o CJ que, tendo o jogo que está na base da questão controvertida, ocorrido em 6 de Janeiro de 2019 e a participação do Belas Rugby Clube ter dado entrada na FRP no dia 16 do mesmo mês, era forçado a acompanhar o argumento do recorrente (o Clube de Rugby do Técnico) de que a participação que deu origem à decisão do CD foi efetuada fora do prazo previsto no artigo 10.º, n.º 3 do RD, concluindo, por isso, que o direito de participação disciplinar não foi realizado dentro do prazo regularmente fixado, pelo que tal direito se extinguiu por caducidade, tendo decidido dar provimento ao recurso e considerar nulas as sanções disciplinares aplicadas.
Dos factos supervenientes
7. No seu requerimento, o Belas Rugby Clube vem agora alegar que o jogador do Clube de Rugby do Técnico, já identificado, fora expulso no jogo realizado em 8 de dezembro de 2018 entre a ER Galiza e aquele clube, por ofensas e ameaças ao árbitro, informação esta que não era do domínio público, a não ser das pessoas que tenham assistido a este jogo.
8. Mais refere que, ao decidir a abertura de processo disciplinar, o CD envia apenas para o jogador e para o seu clube a Nota de Culpa, com descrição das infrações cuja prática lhe(s) é(são) imputada(s), não sendo esta informação do domínio público, pelo que o Belas Rugby Clube não a poderia conhecer.
9. Refere ainda que no dia 6 de Janeiro de 2019, o jogador João Aresta Branco Viegas Cantante alinhou pelo Clube de Rugby do Técnico em jogo do CN2 contra o Belas Rugby Clube, estando suspenso preventivamente nessa data no âmbito de processo disciplinar que lhe fora instaurado, informação esta que também não é do conhecimento público, pois não é divulgada pela FPR, pelo que da mesma não poderia ter conhecimento.
10. No dia 11 de Janeiro de 2019, no Boletim Informativo da FPR n.º 20 é publicada a sanção de 9 semanas de suspensão ao jogador João Aresta Branco Viegas Cantante, situação que, até esta data, era desconhecida de todos os clubes e também do Belas Rugby Clube, exceto do CD, da FPR e do clube/jogador, a quem terá sido notificada nesse mesmo dia ou no dia anterior.
11. Nessa mesma data, alertado para o facto de que existia um jogador do Clube de Rugby do Técnico que se encontrava suspenso e tinha jogado em 6 de Janeiro passado, o recorrente foi averiguar e comprovar, através da gravação vídeo que faz de todos os jogos, bem como de fotografias ocasionais, a presença do referido jogador, sendo que, mais tarde, e após ter solicitado à FPR e obtido cópia do Boletim de Jogo (onde se encontra o relatório do árbitro), confirmou que o mesmo não apenas tinha jogado, mas o tinha feito com identidade falsa.
12. Assim, tendo por referência esta cronologia, a saber, jogo realizado a 6 de Janeiro, conhecimento da irregularidade a 11 de Janeiro e envio de participação à FPR em 16 de Janeiro, ou seja 3 dias úteis após o conhecimento do Boletim de Jogo, não houve qualquer violação do prazo de 5 dias úteis a que alude o n.º 3 do artigo 10.º do RD, pelo que a decisão do CJ no seu Acórdão n.º 6/2009 assenta em pressupostos errados, por falta de toda a informação relevante.
13. Depois de descrever esta factualidade nova, o Belas Rugby Clube conclui que só foi possível ter conhecimento da infração (jogador a alinhar encontrando-se suspenso e com identidade falsa) depois de a FPR ter publicado o Boletim Informativo na sexta-feira dia 11 de Janeiro e, nessa mesma data, ter sido alertado para a mesma, data esta que deve ser considerada como referência para o início da contagem do prazo de 5 dias úteis previsto no artigo 10.º, n.º 3 do RD, pelo que a sua participação é tempestiva e as conclusões do Acórdão n.º 6/2019 do CJ devem ser retificadas.
Tudo visto, consultada e lida toda a documentação existente na FPR bem como a que se encontra junto ao processo disciplinar instaurado pelo CD, cumpre decidir.
14. É facto assente que o Clube de Rugby do Técnico, de forma consciente e dolosa, porquanto sabia que o mesmo se encontrava suspenso, fez alinhar irregularmente e com identidade falsa o jogador João Aresta Branco Viegas Cantante no jogo com o Belas Rugby Clube, realizado no dia 6 de Janeiro de 2019, o que motivou a apresentação de uma participação deste último clube à FPR no dia 11 do mesmo mês, tendo essa participação sido admitida pelo CD e dado origem a um inquérito, a que se seguiu a instauração de um processo disciplinar ao clube e ao jogador, depois de comprovados os fortes indícios da prática de infrações disciplinares graves.
15. Por decisão de 13 de Fevereiro de 2019, considerando provados os factos, o CD aplicou ao atleta a sanção de 11 semanas de suspensão, publicada no Boletim Informativo n.º 27, de 1 de Março, e aplicou ao Clube de Rugby do Técnico a sanção de multa no valor de € 1000 (mil Euros), a sanção de falta de comparência injustificada e a consequente eliminação do Campeonato Nacional da 2.ª Divisão (CN2) e despromoção ao último escalão competitivo sénior, impossibilitando, por esta via, a possibilidade de ser promovido ao CN1 no primeiro ano em que se inscrever na época desportiva seguinte àquela em que ocorreu a desclassificação, publica no Boletim Informativo n.º 20, de 11 de Janeiro de 2019.
16. Na sequência do recurso apresentado pelo Clube de Rugby do Técnico e na ausência da correta e completa informação sobre a data de conhecimento dos factos que estiveram na base da decisão recorrida, o CJ considerou nula a sanção aplicada, porquanto a participação do Belas Rugby clube não teria sido feita dentro do prazo de 5 dias úteis, prevista no artigo 10.º, n.º 3 do RD.
17. Nos termos do previsto no artigo 449.º, n.º 1, alínea d) e n.º 4 do Código do Processo Penal, de aplicação subsidiária ao RD e admissível a qualquer tempo, a reparação de decisão sancionatória transitada em julgado é admissível quando se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si, combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça de decisão.
18. Efetivamente, como resulta do Acórdão do STJ, de 14 de Maio de 2011, o recurso de revisão constitui um meio extraordinário de reapreciação de uma decisão transitada em julgado, tendo como fundamento principal a necessidade de se evitar uma decisão injusta, de reparar um erro judiciário, por forma a dar primazia à justiça material em detrimento de uma justiça formal. Tem por base factos supervenientes à decisão sancionatória, como resulta do Acórdão do STJ de 21 de Janeiro de 2009, ou seja, factos cuja existência era ignorada ao tempo da decisão e, por isso, não foram tomados em conta na mesma. Subjaz à revisão o propósito de reposição da verdade e da realização da justiça.
19. Perante estes novos factos, devidamente fundamentados e agora apresentados pelo Belas Rugby Clube, que demonstrou não ter violado o prazo de 5 dias úteis para fazer uma participação à FPR, nos termos do repetidamente citado artigo 10.º, n.º 3 do RD, e porque é entendimento deste CJ que a participação disciplinar a que alude o Artigo 10.º, n.º 2 do RD onde se invoque a utilização irregular de jogadores só pode ser feita por clube que tenha participado no jogo, e não por um qualquer terceiro clube, impõe-se reparar a decisão tomada pelo CJ no Acórdão n.º 6/2019, que, a manter-se, deixaria incólume a prática de factos graves e praticados intencionalmente, que se traduzem numa falta de lealdade e transparência, violadores da verdade e da sã convivência desportiva, só assim se fazendo a necessária justiça.
Decisão
Considerando tudo o que antecede, decide o Conselho de Justiça revogar a decisão final do Acórdão n.º 6/2019, de 27 de Março e manter a decisão do Conselho de Disciplina de 13 de Fevereiro, que aplicou ao Clube de Rugby do Técnico a sanção de multa no valor de € 1000 (mil Euros), a sanção de falta de comparência injustificada e a consequente eliminação do Campeonato Nacional da Segunda Divisão e despromoção ao último escalão competitivo sénior, impossibilitando, por esta via, a possibilidade de ser promovido ao CN1 no primeiro ano em que se inscrever na época desportiva seguinte àquela em que ocorreu a desclassificação, com efeitos à data daquele Acórdão.
Notifique.
Lisboa, 27 de maio de 2019
José Guilherme Aguiar
António Folgado (Presidente)
João Viana
Ricardo Junqueiro
Por razões de ordem pessoal, a Sra. Conselheira Ana Venâncio não participar na elaboração do presente recurso, o que foi aceite pelo Presidente do Conselho de Justiça.