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Aprendemos todos os dias. Aprendo que os maiores desafios são os que a vida nos coloca e que sem anúncio ou aviso, surgem-nos à frente de repente, sem dia marcado na agenda, sem hora marcada para o tiro de partida, sem tempo ou hipótese sequer para pensarmos se o queremos agarrar ou não, sem tempo para treinarmos ou prepararmos o corpo ou a mente, sem meta à vista, sem noção da passada certa, do ritmo certo ou mesmo da direcção a seguir, com poucas certezas, e por fim sem classificação ou certeza alguma afinal. A única coisa a fazer é enfrentar e seguir em frente, fazendo como podemos e sabemos, o nosso caminho.
Não terá sido este o caso da Corrida Espírito de Aliança. Uma Corrida que liga Lisboa a Mafra, num percurso de 100 Km, maioritariamente em trilhos e caminhos de terra, pelas Históricas Linhas de Torres, Corrida-convívio, sem classificações ou prémios, com ritmos rigorosamente controlados, dividida em 12 etapas, estimando-se a sua chegada a Mafra às 8 da noite, precisamente 15 horas depois do tiro de partida, em Lisboa.
O Espírito é "a união de cidadãos por uma causa, de valores que se perpetuam no tempo e de laços que nos estão no sangue" - pode ler-se no site da Organização. Organização essa a cargo do Clube do Stress e pela Revista Spiridon.
A participação era permitida a todos, para a totalidade da distância ou apenas para algumas das 12 etapas que constituiam a prova, devendo para tal fazer-se um donativo mínimo de EUR 5,00 a reverter na sua totalidade para a Fundação Portuguesa de Cardiologia. A Corrida permitiu ainda atribuir 7 bolsas de estudo a jovens estudantes, uma por cada município integrado no percurso.
Este é o Espírito da Corrida e eu simplesmente ADOREI o Espírito!
A minha Corrida Espírito de Aliança
4:30hrs da madrugada e estaciono o carro em frente ao Instituto Superior Técnico. Já muitos atletas também. Vou estrear a mochila de hidratação acabada de comprar para a ocasião que se quer a primeira de muitas e levo o meu próprio abastecimento: água, gel e barras energéticas.
Conheço alguns atletas, não muitos. Isto é outro mundo e eu gosto!
Era minha intenção fazer "apenas" as 3 primeiras etapas:
- Lisboa - Sacavém (8,7 Km)
- Sacavém-Mata do Paraíso, Vialonga (10,4 Km)
- Mata do Paraíso - Forte da Aguieira (6,6 Km)
Correr àquela hora pela cidade adormecida, sempre acompanhados pela Polícia, chegar a Sacavém já com o Sol a nascer e 1ª paragem, fim da 1ª etapa. Espera-se que todos cheguem. Há os que ficam. Há os que continuam. E outros que aqui começam. Será assim em todas as etapas. Repor energias, comer, beber, descansar um pouco e seguir. A acompanhar os que desafiadora e corajosamente enfrentam os 100 Km.
Confesso que fui muito bem até à Mata do Paraíso, onde cheguei com perto de 20 km nas pernas e onde o meu pai estaria aguardando-me e onde o meu irmão prometera estar para me acompanhar até ao Forte da Aguieira e depois fazer-me companhia no caminho de regresso a casa, já só os dois, pois a nossa Corrida Espírito de Aliança acabaria nesse ponto.
Aqui está de novo todo o apoio da organização, certificando-se que todos chegam. Pelo caminho houve sempre policiamento nos pontos em que éramos levados para a estrada ou a tinhámos de atravessar.
Mas a entrada na Mata começa logo a subir. A partir daí é sempre a subir e a descer, e será assim até Mafra segundo contam que eu não sei mas gostava de vir a saber. Mas é também a partir daqui que a beleza se manifesta e se reforça a cada passo dado.
Porque o meu irmão chegou tarde, acabámos por ser os últimos a começar esta 3ª etapa. E eu já venho perto do meu limite e tenho de caminhar por vários metros. Aliás, daí ao Forte da Aguieira fui sempre a alternar Corrida com Caminhada. Fico sozinha e ao fim de cerca de 5 km lá está o meu irmão a aguardar-me. Seguimos no mesmo ritmo (corre-anda) até ao Forte onde nos esperam. E tenho já cerca de 26 km nas pernas (basicamente 1/4 da Corrida)
Mais uma vez a organização está 5 estrelas. Oferecem-me água. Sei que é só para os atletas dos 100 km mas eu trago uma garrafa de água vazia na mão e a mochila com água já morna e respondo "Posso?", ao que com toda a simpatia me respondem que posso e devo, ao mesmo tempo que me retiram das mãos a garrafa vazia e sinto algum reconhecimento nisso também. Sorvo a água e alinho na foto de grupo junto ao Forte. Já não sei do meu irmão. Está misturado connosco. Perfeitamente integrado no Espírito. Eu fico-me pelo sopé do grupo, as forças já me faltam para subir mais. Mas estou feliz.
Foto tirada e o grupo prepara-se para retomar agora a 4ª etapa. Nós seguimos os dois, agora de regresso a casa, mais caminhada que Corrida. Chego a casa às 10:00 hrs da manhã, precisamente 5 horas depois do tiro de partida e com cerca de 35 Km nas pernas. Estou toda partida mas estou bem.
E quero voltar para o ano. Sonho com os 100 Km mas ficarei contente em percorrer "apenas" meia dúzia de etapas. Outras etapas. Conhecer outros caminhos. Conhecer outros Fortes. Correr. Participar. Contribuir. Este ano corri 3 etapas. Para o ano quero continuar o caminho. Este é o Espírito.
Parabéns à Organização e a todas as entidades que de alguma forma contribuíram para esta Ultra-Maratona com um Espírito tão especial. O da Aliança. Ver-nos-emos de novo para o ano.
Ana Pereira
http://mariasemfrionemcasa.blogspot.pt/